JUDAISMO CONSERVADOR (5781) Estudo 28 de maio de 2021 – 17 de Sivan de 5781

I. Judaísmo conservador – Judaísmo conservador ou Conservativo é o segundo maior movimentos judaicos nos EUA. com adesão à Torá e Talmud, mas, flexivo em relação a tempos e circunstância, quando comparado com movimento judaico reformista, é considerado tradicional sem fundamentalismo. Esse nome utilizado primariamente nos Estados Unidos da América e no Canadá, sendo conhecido em outros países, incluindo o Brasil, Reino Unido e Israel, como Movimento Masorti, é norteado por princípios, são eles: O estudo da Torá, no sentido mais amplo, e a transmissão de seus princípios de geração em geração;

A unidade do povo judeu, fomentando os laços entre judeus onde quer que vivam; A centralidade da sinagoga na vida do povo judeu; A importância de manter uma prática judaica comprometida com a Halachá e as Mitzvot, mas ao mesmo tempo dinâmica, refletindo o amor pela tradição e abraçando a modernidade e os aspectos positivos da mudança; A centralidade de Medinat Israel junto com o conhecimento e o uso da língua hebraica na vida do povo judeu, Os valores de igualdade, pluralismo e democracia no desenvolvimento da tradição judaica.

História – O judaísmo conservador (tb. Judaísmo histórico e Judaísmo masorti) é um movimento que modera entre ortodoxos e reformistas progressistas. Foi no século XIX, sob a iniciativa de Zacharias Frankel (1801 a 1875) que fundou o Seminário Teológico Judaico de Breslau em 1854, cuja ideologia inspirou as primeiras ideias conservadoras, rompeu com os extremistas modernizadores após uma série de conferências reformistas na Alemanha (1844-1846) e Solomon Schechter (1849 -1915) que em 1902 foi para Nova York para servir como presidente do Seminário Teológico Judaico da América (fundado em 1913). Apesar das opiniões diferentes que fazem ser uma coalizão teológica, em vez de possuir uma forma homogênica de crenças e práticas, os judeus conservadores encontraram um elo comum mantendo a continuidade com o passado, moderador, como referido acima suas práticas ritualísticas conservadoristas mostram semelhanças variando da Ortodoxia à Reformista.

Com o Seminário Teológico Judaico em Nova York, sob o comando de Sinagoga Unida do Judaísmo Conservador,[8] tornou-se um componente essencial no crescimento contínuo do Judaísmo Conservativo, educando a maioria de seus novos rabinos. O movimento cresceu fortemente nos anos 1950-1960 para se tornar a forma mais popular de judaísmo americano, mas, recentemente as filiações caíram, e agora vem em segundo lugar para o judaísmo reformista.

Valores fundamentais – Ismar Schorsch estabeleceu um conjunto de valores Sagrados para o Judaísmo Conservativo: Centralidade do Israel moderno: os judeus conservadores consideram Israel não apenas o berço do povo judeu, mas também seu destino final. Seu comportamento reflete o desejo do judaísmo conservador de não desnacionalizar o judaísmo.

Hebraico – a linguagem insubstituível da expressão judaica: a alfabetização hebraica é a chave para o judaísmo, para unir a conversa entre textos sagrados, entre judeus de diferentes idades, entre Deus e Israel. O papel definidor da Torá na reformulação do judaísmo: Para os judeus conservadores, a Torá não é menos sagrada, se menos central, do que era para seus ancestrais pré-modernos.

Estudo da Torá: Os judeus modernos devem estudar a Torá em harmonia com seu mundo mental e não apenas pelos olhos de seus ancestrais. Governança da vida judaica pela Halachá (lei judaica): Halakhah é central e autoritativa na determinação do modo de vida e conduta do povo judeu.

Crença em D-us = A visão Masorti A Assembléia de Sinagogas de Masorti, no Reino Unido, estabeleceu seus objetivos em ‘Darkenu – The Masorti Vision’. A visão da Masorti deve ser: um movimento de fé e prática judaica tradicional conduzido pelo entendimento dinâmico da Torá e da Halachá; um movimento do judaísmo tradicional receptivo à verdade de todos os quadrantes, sensível aos dilemas do mundo moderno; um movimento que, sem prejulgar, busca a participação de todo judeu na jornada para um maior conhecimento, observância, sensibilidade ética e profundidade espiritual; um movimento que inclui todos os homens e mulheres em todas as esferas da vida judaica; um movimento com facilidades para satisfazer todas as necessidades da vida judaica; um movimento que desempenha seu papel integral na criação de um próspero judaísmo em Israel e na Diáspora e boas relações com outras religiões.

Há diversos websites que representam o movimento conservador. O judaísmo conservador/masorti é composto de várias organizações. Nos EUA, isso inclui, por exemplo, a Rabbinical Assembly (Assembléia Rabínica), a Association of Conservative Rabbis (Associação dos Rabinos Conservadores) e a United Synagogue of Conservative Judaism (Sinagoga Unida do Judaísmo Conservador), que é a associação das congregações conservadoras/masortis. O maior seminário rabínico do movimento é o JTS (Jewish Theological Seminary).

Lei e adoração – Torá Judeus conservadores consideram a Torá como divina e humana, mas com autoridade divina, eles acreditam que a Torá foi revelada por Deus, mas é um registro humano do encontro entre a humanidade e Deus, e a interpretação do povo judeu sobre a vontade de Deus, eles aceitam que os mandamentos da Torá registram o pacto entre Deus e o povo judeu.

Adoração – Comunidades locais e rabinos trabalham juntos para decidir sobre a prática a ser seguida em sinagogas particulares. Os serviços conservadores são bastante tradicionais e, principalmente, em hebraico. Mulheres e homens podem desempenhar um papel igual no culto conservador. Algumas sinagogas conservadoras deixam homens e mulheres sentados juntos, outros segregam os gêneros. No entanto, as mulheres contam como parte do minyan e podem dizer o Kaddish dos enlutados por direito próprio.
O movimento aceita mulheres rabis, embora essa mudança tenha levado alguns rabinos americanos a se separarem para fundar a União do Judaísmo Tradicional.

Halakhah – Os judeus conservadores consideram a lei judaica como obrigatória, mas estão dispostos a modificá-la quando as circunstâncias o exigirem. A mudança só é aceita após uma consideração muito cuidadosa e em resposta a mudanças fundamentais na sociedade e no conhecimento.

O sábado – Seguem o que a Halakhah indica. Regras flexíveis – A flexibilidade do pensamento halakhicos conservador foi demonstrada no final de 2006, quando o Comitê de Leis e Normas Judaicas se pronunciou sobre a lei judaica e a homossexualidade. O painel aprovou três decisões contraditórias: uma das quais aprovou rabinos homossexuais e cerimônias de compromisso entre pessoas do mesmo sexo (embora tenha constatado que o sexo físico entre homens não estava de acordo com a lei judaica), e duas delas não. Isso deixou as congregações e instituições individuais livres para escolher seguir qual decisão. Sobre isso:

Não acreditamos no pluralismo porque é fácil – sabemos que não é nada fácil. Acreditamos no pluralismo porque afirmamos que cada um de nós, guiado pelo conhecimento de nossos rabis, teólogos e filósofos e pela compreensão da vida que ganhamos vivendo-a, deve descobrir qual é a vontade de Deus como a vemos e depois tentar viver essa vontade. Acreditamos no pluralismo porque espelha nossa compreensão do mundo de D-us …

… Nosso desafio é responder ao chamado de D-us para a mudança e, ao mesmo tempo, ajudar tanto as congregações que escolhem fazer a mudança quanto aquelas que percebem o mandato de manter a tradição. Como um movimento, não podemos ser intolerantes com aqueles que estão insatisfeitos com a decisão de permitir a mudança, mesmo que eles estejam se apegando a uma posição que em alguns círculos é impopular e vista como antiquada, indigesta, inflexível e insensível. Não vamos admitir a incivilidade, mas entendemos que não podemos legislar como uma pessoa se sente ou em que essa pessoa acredita. Não podemos tolerar a homofobia, mas devemos entender que ser contrário a essa mudança não é necessariamente ser preconceituoso – pode refletir apenas uma compreensão diferente da vontade de D-us.

É errado condenar aqueles que ouvem a Deus pedindo mudança em nossas opiniões de longa data sobre atitudes religiosas em relação a gays e lésbicas como profanando a tradição judaica. É igualmente notório, no entanto, condenar aqueles que ouvem a mensagem de Deus para preservar o entendimento tradicional. Rabino Jerome Epstein, Deixar que cada Congregação escolha para si, em frente, dezembro de 2006

Judaísmo conservador no Brasil – Há dez sinagogas filiadas ao Judaísmo conservador no Brasil: Sociedade Israelita da Bahia (Salvador), Congregação Judaica do Brasil (Rio de Janeiro), Congregação Israelita Paulista (São Paulo), Comunidade Shalom (São Paulo), Centro Cultural e Social B’nei Chalutzim (São Paulo), Sociedade Israelita Brasileira Beit Jacob (Campinas), Mercaz Brasil (São Paulo), Comunidade Beth-El (São Paulo), Comunidade Israelita do Paraná (Curitiba) e Centro Israelita Porto-alegrense (Porto Alegre). [1]

II. ‘Judeus do Amazonas’ não conseguem autorização para imigrar para Israel – Jerusalém, 20 fev (EFE).- Um grupo de 284 peruanos convertidos ao judaísmo está esperando há vinte meses autorização das autoridades para poder imigrar para Israel, denunciou nesta quarta-feira a Agência Judaica e o Movimento Conservador (Masorti).

Os ‘Judeus do Amazonas’, como são conhecidos, são procedentes da cidade peruana de Iquitos, localizada na região amazônica, e segundo a Agência Judaica e o Masorti cumpriram com todos os requisitos para a conversão. O grupo se converteu em agosto de 2011 por mediação de um tribunal rabínico do movimento Masorti, confirmou à Agência Efe o rabino Andrew Sacks, que é membro do Movimento Conservador e diretor da Assembleia Rabínica de Israel.
Segundo Sacks, alguns dos peruanos são descendentes de judeus de origem marroquina que chegaram ao Amazonas no século XIX buscando trabalho na indústria da borracha e se casaram com locais.

De acordo com o procedimento normal, após nove meses da conversão o indivíduo tem direito a realizar a ‘aliá’ (obter passaporte israelense e imigrar ao Estado judeu). No entanto, passados vinte meses do processo, o Ministério do Interior de Israel ainda não deu uma resposta aos ‘Judeus do Amazonas’. ‘Estas pessoas seguiram um processo de conversão de cinco anos de estudos e que foi aprovada por um tribunal autorizado. São judeus e não há nenhum motivo para que não possam ir para Israel’, afirma Sacks.

O rabino explicou que a origem latino-americana e os baixos recursos econômicos das famílias dos convertidos podem ser alguns dos motivos que estão impedindo a imigração.

Jack Corcos, da Agência Judaica, disse à Efe que a organização ‘pediu a aprovação da imigração do grupo peruano’, já que foram ‘cumpridos todos os requisitos’ e ‘alguns deles têm inclusive antepassados judeus’. Corcos lembrou que membros desta mesma comunidade judaica peruana chegaram em Israel em 2001 e 2004, o que segundo ele torna ainda mais incompreensível as dificuldades encontradas desta vez. ‘Pensamos que o Ministério do Interior tem direito a fazer as comprovações que julgar necessárias, mas também achamos que não há razão para que tenham que esperar tanto tempo’, criticou. Altos funcionários de organizações judaicas mundiais advertiram que se o Ministério do Interior rejeitar as solicitações de cidadania a decisão poderia abalar as relações entre o governo de Israel e o Movimento Conservador mundial. A porta-voz do Ministério do Interior, Sabine Haddad, respondeu que ‘o assunto está à espera de uma decisão de alto nível’. A maioria dos peruanos convertidos declarou intenção de se mudar para Israel e o plano inicial era fazer isso de forma gradual, em vários grupos separados. [2]

III. Shabat com os filhos dos conversos

Em Portugal os Bnei Anussim, descendentes dos que há 500 anos o Estado e a Inquisição forçaram a esconder ou a renegar a sua fé e cultura, também querem ser reconhecidos como judeus.

O rabi Jules Harlow e a sua mulher, Navah, vieram de Nova Iorque para os acolher na masorti, a segunda maior comunidade do judaísmo, depois da ortodoxia. Na sexta-feira, celebrámos com eles o Shabat. Por Margarida Santos Lopes a São quase 19h30 de uma sexta-feira e o sol ainda não se pôs. D. Clarinda, de 80 anos, está à janela, a sua bata de flores multicoloridas a combinar com o verde das plantas que espreitam para o parapeito. Há mais de meio século que vive aqui, na Rua Filipe da Mata, em Lisboa, mas só “há pouco tempo” se deu conta que, num prédio em frente ao seu, “às vezes entram e saem uns senhores de bem com umas coisas na cabeça”. Um carro pára em frente à sua porta e ela faz sinal: “Olhe, lá vem um deles.”

E um deles é o rabi Jules Harlow, que chega de chapéu bege, adornado com uma fita preta, ambos a condizer com o seu casaco de linho e o vestido negro da sua mulher, Navah. Será ele, já com a “coisa” na cabeça (o kippa, yarmulke ou solidéu) que irá liderar a Kabalat Shabat (literalmente, a recepção do sábado) no segundo e último andar do modesto edifício onde funciona a Sinagoga Ohel Jacob. É aqui, onde D. Clarinda diz ouvir “uma música alegre parecida com um bailarico”, que regularmente se juntam os Bnei Anussim, ou “filhos dos conversos” – “marranos”. Assim se identificam os que procuram “retornar” às origens, 500 anos depois de o Estado português e a Inquisição terem forçado os antepassados a esconder ou renegar o seu judaísmo, fé e cultura. O “bailarico” é uma dança em círculo, de mãos dadas e braços no ar, no final de quase uma hora de orações e cânticos selada com palmas, beijos e abraços – é Navah quem anima a festa. E todos proclamam Shabat Shalom. Esta Kehillat Beit Israel (congregação dos filhos de Israel) é especial. Pertence ao movimento masorti (conservador/tradicional), a segunda maior denominação do judaísmo, ou como os seus membros se definem, “um meio-termo entre a ‘esquerda’ religiosa representada pela reforma e a ‘direita’ representada pela ortodoxia [predominante].

Dois dias antes do Shabat, num hotel onde ele e Navah se alojam desde que, no Outono de 2005, começaram a vir a Lisboa todos os anos (este é a décima vez), para guiar os Bnei Anussim, o rabi Jules dá-nos mais detalhes. Afinal, ele pertence à Assembleia Rabínica Masorti. É o seu chefe de liturgia, edita e traduz os novos siddurim (livros de orações judaicas). “Queremos perpetuar a tradição, mas, ao mesmo tempo, temos consciência de que já não vivemos na era da Bíblia ou do Talmude”, explica o rabi de voz doce e sorriso luminoso. “Queremos que a tradição apoie as nossas vidas na realidade atual. Por exemplo, durante séculos, havia uma prece em que os homens diziam: ‘Graças a Deus por não ter feito de mim uma mulher.’ E a mulher dizia: ‘Graças a Deus por me ter feito de acordo com a Sua vontade.’ No movimento masorti mudámos isso para dizer: ‘Graças a Deus por me ter feito à Sua semelhança, homem e mulher.’ A fórmula é a mesma, mas o conteúdo foi alterado para refletir o que sentimos hoje.”

Navah, cuja vivacidade contrasta com a serenidade do marido, enfatiza as mudanças ocorridas nos últimos 15 anos: “Quando eu era pequena, havia uma oração na sinagoga que dizia: ‘Abençoado seja o presidente desta congregação, a sua mulher e os seus filhos.’ Hoje, há mulheres presidentes e até rabis na comunidade masorti. Antes, a oração coletiva só era possível se houvesse um minyam [quórum] de dez judeus homens.

Podia haver 20 mulheres e nove homens, mas não havia minyam, porque as mulheres não contavam. A masorti e a reforma [ao contrário da ortodoxia] consideram que as mulheres são membros valiosos e devem ser incluídas.”

O coração deles é judeu – Navah mostra-se convencida de que foi este “carácter inclusivo” que atraiu os criptojudeus da Kehillat Beit Israel. E revela como tudo se passou. “Um dia, em Nova Iorque, onde vivemos, fomos contactados pelo Departamento Central Masorti Olami em Jerusalém. Disseram-nos que algumas pessoas em Lisboa tinham contactado o movimento, através de um rabi masorti que viera a Portugal, e queriam recuperar a sua herança judaica. O rabi Joe Wernick, director executivo do Masorti Olami mundial, veio depois a Lisboa, achava que isto era credível, mas não tinha a certeza, e pediu-nos que assegurássemos se eles estavam seriamente empenhados em tornar-se judeus segundo a lei judaica (Halakah). Se sim, que iniciássemos com eles um curso de estudos de textos sagrados e prática religiosa, necessário a todos os que pretendem converter-se ao judaísmo.” Eles eram uns 12 ou 15, no princípio. Relatavam tradições familiares que são exclusivas dos judeus. “A avó de um deles, por exemplo, tinha uma faca grande em que ninguém podia tocar. Quando queria matar uma galinha, ela ia para o quintal, pegava na galinha, afastava as penas, dizia umas palavras que ninguém entendia e degolava a ave. Pensamos que a avó dele era shohet [talhante], porque tinha aquela faca, sabia como matar animais com a mínima dor e dizer uma oração especial em hebraico.”

Adi Bat-Yehuda (o nome adoptado confirma que já é uma judia segundo a Halakah), economista reformada, de 58 anos, também nunca questionara por que a família separava em duas gavetas distintas os talheres do peixe e da carne. “A minha avó fazia isto, a minha mãe fazia isto.” Na tradição judaica é preciso ter dois conjuntos de cutelaria: um para os lacticínios e outro para a carne. A família de Adi manteve a tradição mas sem perceber porquê.

Na sexta-feira, foi Adi, ou Adriana, membro fundador da Kehillat Beit Israel, que nos abriu a porta do espaço comunitário e fez entrar num estreito corredor que dá acesso a uma cozinha, a uma sala de refeições, a uma varanda, a um pequeno museu e, claro está, à sinagoga – em cada umbral um mezuzah (pequeno rolo de pergaminho contendo duas passagens da Torah). Fomos falar com ela, antes que o céu escurecesse – Navah avisara, peremptoriamente, que depois não seriam permitidas gravações, fotografias ou sequer tirar notas. O bloco e a caneta teriam de ser guardados antes de se acenderem duas velas que davam início ao Shabbat. A exigência, cronometrada ao minuto, foi cumprida. Por volta das 20h45, começava o “dia do descanso” instituído por Deus, segundo os crentes. Antes, porém, sentada num dos bancos de madeira da varanda, Adi partilha com o P2 a sua história e o desfecho feliz.

“Desde miúda que sempre me insurgi contra a Igreja Católica. Em Moçambique, onde nasci, fui baptizada aos quatro anos para poder frequentar uma escola de freiras. Dei-lhes muitos problemas por causa das perguntas que fazia. Nunca me satisfaziam as respostas que me davam. Acabei a instrução primária aos nove anos e, por esta altura, emitiram uma autorização especial para que eu fizesse logo a comunhão solene e o crisma. A minha carreira de praticante acabou aqui.”

Adi nunca se interrogou sobre esta rebeldia até começar a remexer as memórias. “A minha mãe disse-me uma vez, em Lourenço Marques [actual Maputo] que, se eu viesse para Portugal, havia uma coisa que, em casa da minha avó, eu nunca poderia falar. Era sobre judaísmo. É um assunto interdito, disse-me ela, sem mais explicações. Eu achei isto muito estranho. Até porque a minha mãe só viveu com a minha avó dos 18 aos 24 anos, tendo sido criada pela família do pai. Quando estudava, eu ia à sinagoga. Sentia-me lá bem. Entretanto casei-me e fui ‘obrigada’ a fazê-lo pela Igreja Católica, porque o meu primeiro ex-marido era muito cumpridor. Eu ia levá-lo à missa e depois ia buscá-lo.”

Um segredo de família – Tudo mudou quando, um dia, em 1972, já com duas filhas, Adi foi visitar um tio que estava muito doente. “Ele fez um comentário, eu dei a minha opinião e ele replicou: ‘Não há dúvida nenhuma que és judia como a tua avó!’ Eu fiquei espantada. ‘A minha avó é judia?’ Ele observou: ‘Mas, ao fim destes anos todos, isto continua a ser um segredo?’ Foi um dia muito feliz. Encontrei a explicação para tudo.” Depois do 25 de Abril, em 1974, quando Adi veio para Lisboa, “agarrava nas filhas e ia aos sábados de manhã à sinagoga [ortodoxa sefardita] Sharé Tikvá”, na Rua Alexandre Herculano. “Entrava, não percebia nada daquilo, mas ficava contente por lá estar.” Chegou então o momento de provar a sua ascendência. “Fui frequentar a cátedra Alberto Benvenisti na Universidade de Letras. Tornei-me amiga de dois judeus, um de bastante idade e outro de Belmonte, que me disse para aparecer na Elias Garcia [rua onde antes funcionava a sinagoga Ohel Jacob].

O mais idoso ofereceu-se para falar com um amigo judeu no Porto e foi este, depois de eu expor a minha situação, que me enviou uma carta a dizer que conhecia a minha família e que, sim, eram judeus. A minha avó e o seu irmão eram livreiros alfarrabistas, e o meu tio costumava estar num recanto escondido com um kippa na cabeça. A minha avó não queria que soubessem que era judia. Tinha medo. Mais tarde vim a saber que ela era conhecida como ‘a judia da Rua da Picaria’, em todo o Porto.” Com esta descoberta, Adi começou a frequentar os serviços religiosos e a entender por que nunca aceitara a confissão e a comunhão, o celibato dos padres e o dogma da Santíssima Trindade.

A sua filha mais nova casou-se com um judeu francês. A neta Leah, de seis anos, “fez um serviço especial na sinagoga”; o neto, Benjamin, de três anos, foi submetido, logo nos primeiros oito dias de vida, como exige a Halakah, a uma brit milah (circuncisão). “Não há descrição para o que sinto”, confessa Adi. “Encontrei justificação para a minha busca. Quando compareci perante o Beit Din [tribunal rabínico, uma das fases do processo de ‘retorno’], em Londres, disseram-me: ‘Sabe que, uma vez sendo judia, jamais poderá deixar de o ser?’ Comovi-me e respondi: ‘Medo teria eu se isso pudesse acontecer.’ Foi algo por que lutei e ninguém me pode tirar.”

Encontrar legitimidade – Emoção foi também o que sentiu Hayah Bat-Yonatan, de 37 anos, quando chegou a Londres, em 2006, com a sua melhor amiga, para prestar provas perante o Beit Din. O momento que a deixou sem palavras foi o mikveh (banho ritual): “Dizer uma oração e depois submergir na água foi… Ao fim de dez anos, fui reconhecida por aquilo que sentia que era. Andava à procura desta legitimidade.” E essa procura começou aos 13 anos, quando uma tia comentou, numa conversa de circunstância, que a família, muito pouco religiosa, era judia.

“Na altura só pensei: ‘Olha que giro’!”, conta ao P2, os seus olhos azuis confundindo-se com o turquesa da camisola. No 11.º ano, porém, Hayah foi para a Alemanha. “Achava que talvez vivendo lá conseguisse perceber como é que tinha sido possível um país inteiro alinhar naquilo. Tentar perceber como é que o Holocausto tinha sido possível. Continuo a não perceber.”

Chegada a hora de fazer uma tese de final de curso (Antropologia), Hayah escolheu ir para um kibbutz (comuna) em Israel. Do trabalho como voluntária na vacaria reforçou o gosto pelos animais, que a levou a estar agora a acabar outro curso, o de Veterinária. “Nunca fui especialmente religiosa”, afirma. “Passei por uma fase de agnosticismo profundo. Aos 15 anos era ateia. Mas, lembro-me de estar em Jerusalém, em Janeiro de 1995, e sentir que tinha chegado a casa. Que todas as dúvidas que tinha em relação à religião não eram à religião, em geral, mas à religião católica. De repente vi-me num sítio onde havia muita gente igual a mim. Aquilo fazia sentido.” Plena de espiritualidade (ainda que o seu kibbutz fosse “totalmente secular”), Hayah lembra-se ainda de tentar arranjar um serviço de Shabat gravado. “Não sabia como rezar”, admite. “Na altura já lia hebraico, porque na faculdade tirei um curso de hebraico bíblico. Foi uma senhora sul-africana, Rufina [Bernadetti Silva] Mausenbaum, que criou um fórum chamado Saudades, a apresentar-me ao grupo na Elias Garcia.” Agora, na congregação masorti, Hayah sente que alguém a entende.

Em processo de conversão – Passa agora ligeiramente das nove da noite. Na sinagoga Ohel Jacob – a única ashkenaze (criada por judeus polacos e alemães fugidos da I Guerra Mundial) na Península Ibérica -, o rabi Jules Harlow, com a sua tallit (faixa de tzitzit/franjas) ao pescoço, anuncia que vai conduzir um “serviço de estudos” porque não há minyam ou quórum (de dez judeus) para uma completa Kabalat Shabat (embora estivessem presentes 15 pessoas, nem todos completaram o processo de conversão). Está encostado a um bimah (púlpito) de onde cada um tira um siddur (livro de orações) bilingue. Atrás de si, está a Aaron Kodesh, arca sagrada onde se guardam os rolos da Torah. De frente ou de costas para um grande menorah (candelabro), todos se esforçam por corresponder aos pedidos do rabi, ora rezando em português, ora em hebraico.

Para os cânticos, as vozes estão pouco afinadas, mas a concentração será total quando são chamados à amidah, oração individual de pé, composta por uma série de vénias. A cabeça balança, o corpo embala, os pés movem-se. Para a frente, para os lados, para trás. De todos os presentes, um dos que parecem mais extasiados é Bruno Obano, de 28 anos, licenciado em Turismo. Ao contrário de Hayah e Adi, ele admite que não tem raízes judaicas. Está aqui para se converter, embora o rabi Jules o tivesse tentado dissuadir (“Não fazemos proselitismo”, deixou bem claro Navah).

Bruno justifica-se numa conversa telefónica posterior: “Apareci sem ser convidado. Senti uma necessidade espiritual que só o judaísmo me pode dar, pela sua grande sabedoria. Eu não era crente. Não há ilusões quando se cresce, como eu, num meio pobre e miserável do Montijo.” Há sete anos, durante um projecto de voluntariado europeu, Bruno estava em Viena, próximo do bairro judeu de onde muitos foram levados para campos de concentração durante o regime nazi. Foi na Áustria, “chocado com uma civilização europeia que desceu tão baixo”, que sentiu vontade de “estabelecer uma aliança” com D-us.

Frequentador assíduo dos eventos da comunidade masorti, Bruno já sabe recitar bênçãos e orações em hebraico. Tornou-se vegetariano para tentar cumprir as regras dietéticas kosher (não misturar lacticínios com carne, que nunca deve ser de porco; não comer moluscos, chocos, polvo ou marisco; no peixe, evitar o safio…). Irá submeter-se a uma circuncisão cirúrgica (“Imagine o profundo compromisso que isto é para um homem”, vincou Navah) e completará o ritual com uma circuncisão simbólica (hataft dam brit), em que um rabi recolhe uma gota de sangue. Bruno só será judeu quando o Beit Din determinar, mas mesmo não o sendo é bem aceite na cerimónia religiosa e na subsequente Oneg Shabat (refeição-convívio). Antes de passar à mesa, há um ritual de lavagem das mãos e depois não se fala até o rabi cantar o Kidush, uma bênção que agradece a Deus o vinho e dois chalot (pães com sementes de sésamo e de papoila). O pão é cortado às fatias, temperado com sal e distribuído. Seguem-se os deliciosos pratos confeccionados por Adi: cuscuz com grão, salada de pimentos-encarnados, tomates no forno com óregãos, feijão-frade com atum, tarte de alho-francês e pudim. Todos se apresentam – Danilo (membro mais antigo), Caetano, Lisa, Carlos, Manuela, Adriana (Adi), Eliana, Paula-João (Hayah), David, José, Bruno – e desvelam um pouco de si, gerando uma calorosa discussão.

Carlos, que já trabalhou nos montes Golã e sonha morar lá, declara amor incondicional a Israel. Navah avisa-o: “Todos podemos ser sionistas, como são os cristãos fundamentalistas americanos, mas nem todos podemos ser judeus.” Antes da sobremesa e do café, há uma última oração. É quase meia-noite. Três crianças, filhas de Carlos e Eliana, ainda brincam, sem sinal de sono. Na hora da despedida, os participantes dizem obrigado e prometem voltar. [3]

Fontes: [1] Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Juda%C3%ADsmo_conservador
[2] Agencia EFE, Atualizado em 20/02/2013: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/02/judeus-do-amazonas-nao-conseguem-autorizacao-para-imigrar-para-israel.html
[3] https://www.publico.pt/2008/07/03/jornal/shabat–com-os-filhos-dos-conversos-267324
Coordenador: Saul Stuart Gefter 17 de Sivan de 5781 – 28 de maio de 2021

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