HOSHANA RABA, SHEMINI ATZERET E SIMCHAT TORA (5780) – Estudo para 18 de outubro de 2019 – 19 de Tishrei de 5780

I. Hoshana Rabá – O sétimo e último dia da festividade de Sucot é Hoshana Rabá – a “Grande Salvação”. É o dia final do Julgamento Divino, quando é determinado o destino do ano iniciado 20 dias antes. Hoshana Rabá – 21° dia do mês judaico de Tishrei (20 de Outubro de 2019) – é o dia em que D’us finaliza o veredicto assinado em Rosh Hashaná e selado em Yom Kipur. Ensina o Midrash que D’us disse a nosso patriarca Avraham: “Se a expiação não for concedida a seus filhos em Rosh Hashaná, Eu a darei em Yom Kipur. Se eles não a conseguirem em Yom Kipur, esta lhes será dada em Hoshana Rabá”. O profeta Isaías, falando em nome de D’us, declara: “Eles me procuram dia (após) dia”. O Talmud de Jerusalém (Tratado Rosh Hashaná 4:8) explica que esses dois dias são Rosh Hashaná – o dia em que o julgamento Celestial se inicia – e Hoshana Rabá – o dia em que termina. O Zohar, obra fundamental da Cabalá, ensina que Hoshana Rabá é o dia em que o veredicto de Yom Kipur é finalmente selado e os pergaminhos contendo os decretos são entregues aos anjos que os distribuem. Consequentemente, Hoshana Rabá assume especial importância como um dia de oração e arrependimento.

Os comentaristas esclareceram da seguinte forma a metáfora de “anjos, pergaminhos e selos” empregada pelo Zohar para explicar o que ocorre em Hoshana Rabá. Poderemos melhor entender o Reino de D’us se compararmos seu procedimento com o de um governo humano. Quando um rei misericordioso emite um julgamento sobre seus súditos, ele busca formas de evitar puni-los. Eles podem ter violado a lei, podem ter-se revoltado contra seu regime, mas talvez haja circunstâncias atenuantes. Talvez os infratores sintam algum remorso, e isso seria uma garantia de que terão melhor comportamento no futuro, especialmente porque os erros passados lhes ensinaram lições que lhes ajudarão a construir um futuro melhor. Se o rei, ao examinar os autos do caso, encontrar razões para clemência, ele pode anular a acusação e declarar a inocência do réu. Mesmo em caso contrário, ainda há esperança: o réu pode ter testemunhas que se apresentem em sua defesa. É sensato que o rei postergue sua decisão: sempre há tempo para condenar e punir, ao passo que uma decisão apressada pode ser irrevogável. Portanto, o rei aguarda, paciente.

O tempo passa, e se ele acabar encontrando razões para clemência, emitirá sua decisão de absolvição. Ainda que haja muitas evidências contra o réu e o veredicto lhe seja desfavorável, o rei ainda assim adia sua sentença. Como o veredicto não entra em vigor até que seja inscrito, selado e entregue, existe a possibilidade de que o réu possa demonstrar que ele, que se opôs à vontade do rei, agora se tornou um servo leal.

Por exemplo, suponhamos que o rei mande um mensageiro à casa do condenado e o mensageiro o encontre extremamente envolvido em servir ao rei, cumprindo, com devoção, suas leis. O mensageiro retorna e diz ao monarca: “Certamente ele era culpado, mas hoje é outro homem”. O rei concorda em anular o veredicto. O Reino Celestial funciona de modo semelhante. A analogia não é precisa: D’us é onisciente e não necessita mensageiros para saber o que fazemos, dizemos ou pensamos. Contudo, apesar de sua imprecisão, a analogia ajuda porque transmite a ideia de que D’us não pune automática ou imediatamente. Primeiro assina, depois sela o destino, e só depois entrega Seus decretos. O Todo Poderoso dá ao ser humano tempo de mudar seu comportamento, possibilitando assim alterar seu destino. Em Rosh Hashaná, a Corte Celestial julga todas as pessoas. Os justos são julgados favoravelmente e aqueles que estão em falta têm até Yom Kipur para se arrepender. Se não o fizerem, o veredicto desfavorável é selado, mas ainda não é entregue. Isso só ocorre em Hoshana Rabá – o último dia da festa de Sucot – o dia quando os judeus se reúnem para orar, suplicar e cumprir mandamentos da Torá.

A festa de Sucot, que dura sete dias, é alegre – é chamada de Zman Simchatenu (época de nosso júbilo), mas é, contudo, uma oportunidade para que o Povo Judeu influencie os decretos Divinos assinados em Rosh Hashaná e selados em Yom Kipur. E Hoshana Rabá é a conclusão e culminação do período de Julgamento Celestial iniciado em Rosh Hashaná. Assim sendo, é um dia de importância espiritual extraordinária. É a oportunidade final para os judeus, individual e coletivamente, fornecerem amplas razões a D’us para anular quaisquer pergaminhos que contenham sentenças severas.

Dia do Salgueiro – Quando existia o Primeiro Templo Sagrado de Jerusalém, na festa de Sucot, os Cohanim (sacerdotes) costumavam colocar galhos de salgueiro, Aravot, ao redor do Altar, voltados sobre o mesmo. Os sacerdotes tocavam o Shofar, davam uma volta em torno do Altar, tendo nas mãos Arbaat Haminim – as Quatro Espécies de Sucot (Lulav, Etrog, Hadass e Aravá), e invocavam as súplicas “Ana, Hashem, Hoshia Na. Ana, Hashem, Hatzlicha Na” (Ó, D’us, traz-nos salvação. Ó, D’us, traz-nos sucesso). No último dia de Sucot, o dia de Hoshana Rabá, os Cohanim davam sete voltas em torno do Altar. Com a queda do Templo Sagrado, esse serviço cessou, temporariamente. Após a construção do Segundo Templo, retomou-se o serviço, ampliando-o. Os profetas Haggai, Zecharia, e Malachi, que eram membros da Grande Assembleia, instituíram o costume de que em Hoshana Rabá, os judeus podiam cumprir esse mandamento mesmo fora do Templo. Derrubado o Segundo Templo Sagrado, nossos Sábios decretaram que, como cada sinagoga e casa de estudo é um Mikdash Me’at – um Santuário em miniatura, os serviços que eram realizados no Templo, nos sete dias de Sucot, seriam realizados em todas as sinagogas. A partir de então, abria-se a Arca Sagrada e retiravam-se os rolos da Torá, que eram levados à Bimá – o pódio de onde se lê a Torá, na sinagoga. Os homens da congregação, com as Quatro Espécies nas mãos, davam voltas em torno da Bimá, onde já estava a Torá, e oravam pedindo a ajuda Divina. O conceito de dar voltas ao redor de um rolo da Torá baseia-se em um ensinamento de um Sábio talmúdico, Rabi Chiya, que dizia que um representante da congregação segurando um rolo da Torá é equivalente ao próprio Altar do Templo Sagrado (Yalkut Tehilim, 730). Já no tempo de Rabi Saadia Gaon e do Rabi Chai Gaon, esse costume era muito difundido.

Maimônides (o Rambam) escreveu que todas as comunidades judaicas rodeavam a Bimá em cada dia de Sucot em comemoração aos dias em que tínhamos o Templo, e que, no sétimo dia dessa festa (Hoshana Rabá), batia-se no chão com um feixe de Aravá, assim como se fazia no Templo durante a época do Primeiro Reinado e em toda a Terra de Israel na época do Segundo Reinado.

As orações que recitamos durante as voltas em torno da Bimá são chamadas de Hoshanot, porque seu refrão constante – reminiscente do que era usado no Templo – é Hoshana, que significa “salva, por favor”. Os poetas judeus medievais, especialmente o Rabi Elazar HaKalir, compuseram várias orações belíssimas, em acróstico, para cada dia do serviço de Hoshanot, mas o tema central de todas é a súplica, constantemente repetida, “Hoshana!”

O serviço das Hoshanot – Realizamos o serviço de Hoshanot durante os sete dias de Sucot (exceto no Shabat), como parte das orações matinais. Muitas comunidades o realizam logo após as preces de Hallel; outras a realizam após a leitura da Torá ou após a oração de Mussaf. O serviço de Hoshanot se inicia com a retirada de um rolo da Torá da Arca Sagrada. Este é levado e colocado sobre a Bimá ou é carregado por um membro da congregação. Os outros homens presentes na sinagoga rodeiam a Bimá, portando as Arbaat Haminim. A razão para as voltas em torno da Torá é porque após a destruição do Templo, a Torá nos traz expiação como o Altar o fazia, no passado. Antes de rodear a Bimá, onde está colocada a Torá, seguram-se as Quatro Espécies juntas, apertando-as contra o coração. O Chazan (cantor litúrgico) recita em voz alta as seguintes frases e a congregação repete em seguida: “Salva-nos, rogamos-Te: Em Teu nome, nosso D’us, salva-nos, rogamos-Te. “Salva-nos, rogamos-Te: Em Teu nome, nosso Criador, salva-nos, rogamos-Te. “Salva-nos, rogamos-Te: Em Teu nome, nosso Redentor, salva-nos, rogamos-Te. “Salva-nos, rogamos-Te: Em Teu nome, Tu que nos buscas, salva-nos, rogamos-Te”.

A seguir, circunda-se a Bimá, no sentido anti-horário, recitando a liturgia específica das Hoshanot para o respectivo dia de Sucot, que se encontra no livro de orações, o Sidur. Depois de dar uma volta, termina-se de ler o restante das Hoshanot. Continua-se segurando as Arbaat Haminim até o momento em que o Chazan inicia o Kadish (algumas sinagogas o fazem até depois do Kadish). Em Hoshana Rabá, sétimo dia de Sucot, dá-se sete voltas em torno da Bimá, como o faziam nossos antepassados no Templo, nesse dia. Durante as primeiras seis voltas, repetem-se as Hoshanot dos seis primeiros dias anteriores da festividade. Na sétima e última volta, recitam-se as preces adicionais de Hoshana Rabá.

Ao término das súplicas das Hoshanot, em Hoshana Rabá, quando os rolos da Torá já estão de volta na Arca Sagrada, o Chazan recita o Kadish. A seguir, há um costume antigo, também instituído pelos profetas Haggai, Zecharia e Malachi, e, como dissemos acima, encontrado nos escritos do Rambam, de se tomar os ramos de salgueiro, as Aravot, recitar um trecho especial e batê-las contra o chão. Segundo uma tradição cabalista, juntam-se os cinco ramos de Aravot para suavizar os “cinco rigores” celestiais. Esses ramos também são conhecidos como Hoshanot. É costume que todos – homens, mulheres e crianças – realizem esse ritual.

Não se deve usar um feixe de salgueiro que já foi usado por outra pessoa; cada membro da família deve ter o seu próprio. Após usar o feixe, muitos têm o costume de jogá-lo acima da Arca Sagrada, o Aaron HaKodesh. Esse costume de bater com o feixe de cinco Aravot no chão tem grande significado místico.

Outros costumes de Hoshana Rabá – À luz da importância espiritual desse dia, muitas comunidades costumam permanecer acordadas na noite de Hoshana Rabá. Recitam todo o Livro de Deuteronômio – o quinto livro da Torá, que expõe os preceitos do amor e reverência a D’us. Após a meia-noite, recita-se todo o Livro dos Salmos. Em algumas congregações, é costume que o Gabai, o administrador da sinagoga, distribua maçãs aos congregantes, como símbolo de um bom ano para todos. Levadas para casa, as frutas são mergulhadas no mel e comidas na Sucá.

No dia de Hoshana Rabá, come-se uma refeição festiva na Sucá. Esse último dia de Sucot é a última ocasião em que se recita a bênção por comer na Sucá, já que o mandamento bíblico de morar nas cabanas dita que isso seja feito durante sete dias. No entanto, muitas comunidades que vivem fora da Terra de Israel continuam comendo na Sucá na festa que se segue imediatamente – Shemini Atzeret. No entanto, não dizem a bênção por estar comendo nas cabanas.

Aravá: elemento mais humilde das Quatro Espécies – Hoshana Rabá é conhecido como “o dia de bater o Aravá”. O auge dos serviços de Hoshanot éo bater do feixe de cinco Aravot no chão. Por que Hoshana Rabá – último diade Sucot, dia tão importante ao ponto de ser comparado a Yom Kipur – éassociado com o salgueiro, Aravá? Lembremo-nos que um dos principais mandamentos da festividade de Sucot se refere às Quatro Espécies. Cada uma destas simboliza um tipo diferente de judeu. O Lulav (a folhagem da palmeira) representa o erudito em Torá; Hadáss (o mirto), o judeu que pratica muitas ações boas; o Etrog (o citro), o judeu que estuda a Torá e pratica muitos atos de bondade, ao passo de que o Aravá (o salgueiro) representa o judeu que nem estuda muito a Torá nem cumpre muitos mandamentos. O Aravá, aparentemente, é o menos importante entre as quatro espécies; simboliza aquilo que um judeu não deve ser. Como, então, explicar que seja o protagonista de Hoshana Rabá, entre as demais? Por que tomamos o feixe de salgueiros e não um feixe das outras três espécies, como antídoto contra os rigores celestiais? A razão para tal é que em sua simplicidade e humildade, o Aravá triunfa sobre as outras três espécies. Em muitos casos, a humildade a tudo supera. Nossos Sábios explicam que o maior obstáculo entre o homem e D’us é o nosso ego. O Aravá – por ser o menos importante das Quatro Espécies – simboliza a antítese do ego. A Torá aponta que Moshé Rabenu, o maior líder e profeta judeu dentre todos, a maior alma que já veio ao mundo, foi o homem mais humilde que já existiu. Foi sua humildade – sua total falta de ego – o que lhe fez chegar a tão grandes elevações espirituais.

Em Hoshana Rabá, o feixe de Aravá tem um papel central porque simboliza a humildade, essência desse dia. D’us eleva aqueles que aperfeiçoam sua humildade pessoal. Em Hoshana Rabá – data em que os Cohanim rodeavam o Altar do Templo Sagrado sete vezes – o Aravá nos lembra o ensinamento de nossos Sábios: “Aquele que traz um sacrifício animal recebe recompensa por ter trazido um sacrifício animal.

Aquele que traz um sacrifício de refeição (a oferenda de farinha) recebe recompensa por ter trazido um sacrifício de refeição. Mas quem é humilde é considerado como se tivesse trazido todos os sacrifícios, pois está escrito: “O verdadeiro sacrifício ao Eterno é o coração contrito; o Eterno jamais desprezará um coração angustiado e pleno de arrependimento” (Salmos, 51-19; Talmud, Sanhedrin 43b). O judeu personificado pelo Aravá, o modesto e humilde salgueiro, em virtude de sua humildade e falta de ego, eleva-se espiritualmente cada vez mais alto. Hoshana Rabá, o Dia do Julgamento Final, ensina-nos que se pudermos dobrar nosso ego e aceitar o jugo Divino, poderemos influenciar a Corte Celestial a anular qualquer decreto negativo e nos abençoar com um ano bom e doce.

As Hoshanot e as sete Sefirot da Emoção – Um dos ensinamentos centrais da Cabalá diz respeito às Sefirot – energia Divina que D’us usa para criar e manter o Universo. As dez Sefirot – três intelectuais e sete emocionais – são as bases de toda a Criação. A alma humana contém todas elas. As três relacionadas ao intelecto são Chochmá (Sabedoria), Biná (Compreensão) e Da’at (Conhecimento). As sete ligadas à emoção são Chessed (Bondade, Generosidade, Expansividade), Guevurá (Justiça, Disciplina, Restrição), Tiferet (Misericórdia, Beleza, Equilíbrio), Netzach (Vitória, Ambição, Eternidade), Hod (Glória, Humildade, Submissão), Yessod (Estrutura, Carisma, Conectividade) e Malchut (Realeza, Liderança, Supremacia).

Vimos no artigo “A Cabalá de Sucot” (Morashá,Edição 69 – setembro de 2010) que os sete dias da festa de Sucot correspondem às sete Sefirot da emoção. O primeiro dia da festa é associado à Sefiráde Chessed; o segundo dia, à de Guevurá; o terceiro, à de Tiferet, e assim por diante. Sucot – festa de nosso júbilo – é a época em que cada um de nós, judeus, refina os poderes emocionais de sua alma: torna-se mais generoso (Chessed); mais disciplinado (Guevurá); mais equilibrado (Tiferet); mais determinado (Netzach); mais humilde (Hod); mais inteligente emocionalmente (Yessod) e mais nobre (Malchut). Em cada dia de Sucot (excetuando-se o Shabat), enquanto damos voltas em torno da Bimá e recitamos as orações de Hoshanot, mencionamos, explícita ou implicitamente, uma Sefirá da emoção. Em Hoshana Rabá, último dos sete dias de Sucot, damos sete voltas: nas seis primeiras, repetimos as passagens recitadas nos seis primeiros dias da festa – que correspondem às seis primeiras Sefirot emocionais. Então rodeamos a Bimá uma sétima vez e recitamos as passagens referentes a Hoshana Rabá, cujo tema é a sétima e última delas – a Sefirá de Malchut.

A Cabalá ensina que esta Sefirá de Malchut absorve e inclui as outras seis Sefirot da emoção, pondo-as, então, em ação. Em outras palavras, Malchut é a materialização dos planos teóricos. É esta Sefirá que absorve e canaliza para o mundo as demais: Chessed, Guevurá, Tiferet, Netzach, Hod e Yessod. Hoshana Rabá, portanto, é o sétimo dia e a somatória dos seis dias anteriores de Sucot. Simboliza a perfeição dos sete atributos emocionais da alma humana. A Torá espera que até Hoshana Rabá tenhamos aperfeiçoado nossa habilidade de usar nossas sete Sefirot emocionais. Sabemos perfeitamente que a maioria de nossos erros e transgressões na vida são decorrentes de algum problema emocional. Para viver sábia e produtivamente, precisamos aprender quando dar e quando refrear, quando ser contundente e quando ser submisso, como relacionar-nos com os demais e como influenciá-los.

Refinando nossas qualidades emocionais, podemos viver uma vida melhor. O homem geralmente sofre e erra porque sua mente e seu coração estão em perene guerra entre si. Ao aperfeiçoar nossas Sefirot emocionais, podemos alinhar nossas qualidades intelectuais e emocionais e, assim, viver uma vida de paz interna, integridade, propósito, virtude e bondade.

Devemos celebrar Sucot e, particularmente, Hoshana Rabá – ponto alto dessa festa de sete dias – com a conscientização de que apesar de ser uma época de júbilo, é também uma época de auto aperfeiçoamento, para que o período de Julgamento Divino, iniciado em Rosh Hashaná, somente traga decretos Celestiais positivos. No último dia do Julgamento, o dia da “Grande Salvação”, nós, o Povo Judeu, temos a oportunidade de transmitir a D’us que além de ter expiado nossos pecados em Yom Kipur, também refinamos nossa alma e modificamos o que estava errado, e que nossas ações futuras serão melhores do que as passadas. Hoshana Rabá representa o ponto culminante de todas as nossas preces e empenho espiritual, iniciados em Rosh Hashaná. Por essa razão, é o dia final do Julgamento Divino. Nesse dia, devemos concentrar-nos na Sefiráde Malchut, tendo em mente que a mesma contém as outras seis Sefirot da emoção, sendo o veículo que permite a cada um de nós fazer mudanças positivas e permanentes neste nosso mundo. [1]

II. Shemini Atseret e Simchat Torá: a festa de nosso júbilo – “Sete dias oferecereis ofertas queimadas ao Eterno; no oitavo haverá santa convocação para vós, e oferecereis ofertas queimadas ao Eterno; é dia festivo no qual D’us vos retém (Atseret), nenhuma obra servil fareis”. (Levítico, 23:36) Shemini Atseret, celebrado no 22o dia do mês judaico de Tishrei – o dia depois da festa de sete dias de Sucot – é a festividade mais alegre do calendário judaico. Shemini Atseret significa o “oitavo [dia] de assembleia”, o que leva muita gente a crer, erroneamente, que este dia sagrado seja o oitavo dia de Sucot. Na realidade, esta festaé “um dia sagrado por seu próprio mérito” (Talmud, Sucá, 48a). É uma festividade independente, e é por isso que recitamos a bênção de Shehecheianu – que é recitada, entre outras razões, sempre que recebemos uma nova festividade, bíblica ou rabínica – após a recitação do Kidush noturno. Mas, apesar de ser uma festividade por si só, não se pode negar que Shemini Atseret, como seu próprio nome indica, está associado com Sucot. O Talmud descreve essa festa como Yom Tov Acharon shel Chag – o último dia festivo da festa de Sucot. Isto significa que as obrigações de Simchá (alegria) de Sucot e a recitação do Hallel também se aplicam a Shemini Atseret, e é por isso que nos referimos a ambas as festas como Zman Simchatenu – “época de nosso júbilo”.

A natureza dupla de Shemini Atseret, isto é, o fato de fazer parte de Sucot e de ser uma festa independente, reflete-se na forma de se cumprir os mandamentos desse dia e nos costumes relativos ao mesmo. A maioria das comunidades continua a comer na Sucá nessa festa. No entanto, como a data não faz parte da semana de Sucot, a bênção “LeShev BaSucá” (de “habitar na Sucá”) não é recitada. Ademais, é proibido dormir nas cabanas para evitar a impressão de que estamos considerando Shemini Atseret o oitavo dia da festa de Sucot. Para enfatizar que Shemini Atseret é uma data independente, algumas comunidades fazem Kidush na Sucá, mas comem a refeição principal fora dela. Outra grande diferença entre as duas festas é que em Shemini Atseret não se aplica o mandamento das quatro espécies – lulav, etrog, hadass e aravá. Nessa festa, os arbaat haminim são considerados muktzê – nem devem ser tocados – a fim de que não se pressuponha que esse mandamento pode ser cumprido em Shemini Atseret. Na Diáspora, Shemini Atseret é celebrado durante dois dias. O segundo dia é a famosa festa de Simchat Torá, na qual se completa o ciclo de leitura anual da Torá e se dança com os rolos sagrados. Em Israel, as duas festas são uma única, celebradas no mesmo dia.

O mandamento de Shemini Atseret – Como mencionamos acima, a festividade de Shemini Atseret é celebrada durante dois dias na Diáspora. O segundo dia é Simchat Torá. Mas, enquanto a maioria dos judeus conhece esta festa e muitos vão à sinagoga para dançar com os Sifrei Torá, poucos conhecem a de Shemini Atseret. A razão para isso talvez seja o fato de que a festa não envolva um ritual como o toque do shofar, comer matzá, o acender de velas ou as quatro espécies. E mesmo assim, ironicamente, como veremos, Shemini Atseret deveria ser a festividade mais celebrada do calendário judaico: pois apesar de não ter nenhum dos famosos rituais que marcam as outras datas judaicas, essa festa é caracterizada por dois temas, interligados, que são fundamentais para o judaísmo – o nosso íntimo relacionamento com D’us o nosso sentimento de grande alegria que tal intimidade deve evocar em nós.

Um dos princípios básicos da Torá – na realidade, um de seus mandamentos explícitos – é que devemos servir a D’us com alegria. O entendimento de que a Torá e seus mandamentos servem de interface entre o Infinito e o mundo finito que Ele criou deve infundir o serviço Divino praticado pelo Povo Judeu com um sentido de propósito e entusiasmo. Quando a pessoa percebe que ao realizar qualquer dos mandamentos Divinos ela se conecta com o Infinito e o Eterno, ela verá a Torá não como um peso, mas um privilégio. O mandamento que nos ordena servir a D’us com alegria não é uma imposição sobre nossa emoção, mas uma consequência inevitável da percepção do propósito supremo da Torá. Daí a razão de recitarmos todas as manhãs uma berachá agradecendo a D’us por nos ter escolhido dentre todos os povos do mundo para receber Sua Torá. O mandamento de servir a D’us com alegria é, pois, um princípio fundamental e universal da Torá. É essencial a todas as datas sagradas do judaísmo e, especialmente, às festas de Sucot e Shemini Atseret, chamadas de “Zman Simchatenu” – “época de nosso júbilo”. Mas, em questão de alegria, Shemini Atseret até deveria ultrapassar Sucot. E a razão para tanto é que, como nos ensina o Talmud, em questão de santidade, sempre temos que ascender, jamais descender.

Explicamos acima que no que concerne ao mandamento do júbilo, Shemini Atseret é o oitavo dia de Sucot. Como Shemini Atseret segue Sucot, e como em questões de santidade nunca diminuímos nem ficamos estacionários, mas sempre aumentamos, o mandamento de nos rejubilarmos se aplica ainda mais intensamente em Shemini Atseret do que nos sete dias de Sucot que antecedem.

Um dia singular para um povo singular – Explicando a singularidade da festa de Shemini Atseret, nossos Sábios contam a seguinte parábola: certa vez um rei organizou um grande festim e convidou seus filhos para o palácio. Passaram a semana juntos – compartilharam as refeições e desfrutaram da companhia uns dos outros. Quando chegou a hora dos filhos partirem, o rei lhes disse: “Por favor, fiquem comigo mais um dia; me é muito difícil separar-me de vocês!”

Durante a semana de Sucot, passamos tempo com o Rei dos Reis, em Seu palácio. Passamos tempo na Sucá, onde, segundo a Cabalá, paira a Shechiná, a Presença Divina. Durante os sete dias de Sucot, muitos judeus vão à sinagoga cumprir o mandamento das quatro espécies, e têm deliciosas refeições sob a Sucá, em cumprimento ao mandamento de nos rejubilarmos nessa festa. Mas muitos que visitam o Rei em Seu palácio durante os dias festivos do mês de Tishrei – Rosh Hashaná, Yom Kipur e Sucot – demoram a voltar… Portanto, D’us nos deu uma data sagrada adicional, Shemini Atseret, para que possamos ficar um dia a mais – dois na Diáspora – em Sua Presença. Espera-se que a alegria e a inspiração que veem à tona durante os dias de Shemini Atseret e Simchat Torá inspirem o Povo Judeu a servir a D’us com júbilo ao longo de todo o ano, fortalecendo, assim, sua conexão com o Todo Poderoso e com a Sua Torá. Em Rosh Hashaná e Yom Kipur, os temíveis dias do julgamento Divino, D’us atua basicamente no papel de Rei do Universo: Ele é mais Rei do que Pai. Mas quando Sucot, “época de nosso júbilo”, se inicia, a bondade e misericórdia Divinas ficam mais aparentes: Ele age conosco mais como Pai do que como Rei. Como os pais amam seus filhos mais do que os filhos amam seus pais, podemos melhor entender a parábola do rei e seus filhos, acima.

Muitos de nós somente vamos ao palácio do Rei quando queremos algo d’Ele ou particularmente durante momentos críticos no ano, quando Ele nos convoca. Mas, após receber aquilo que queríamos, ou depois de terminada a convocação, deixamos o palácio real e não nos sentimos tristes por fazê-lo. Mas para o Rei, que também é Pai, cada dia que Seus filhos veem visitá-Lo, é motivo de grande júbilo. Assim sendo, quando estamos para deixá-Lo, Ele nos pede para ficar a Seu lado mais um dia. Nesse dia adicional, não temos que realizar nenhum mandamento: tocar o shofar, jejuar, comer matzá ou sacudir as quatro espécies. Tudo o que temos que fazer é nos rejubilar com nosso Pai, falando com Ele através de nossas orações, ouvindo-O através de nosso estudo da Torá, e participando de refeições festivas que sirvam para aumentar nossa alegria, desta forma fortalecendo nossa ligação com Ele. Mas há um significado mais profundo na parábola do rei e seus filhos. Nossos Sábios indicam que na época do Templo Sagrado, durante a festa de Sucot, 70 touros eram sacrificados para expiar pelos pecados das nações do mundo. Esses animais eram oferecidos para atrair as bênçãos Divinas sobre os povos. Em Shemini Atseret, somente um touro era ofertado. E representava uma única nação – o Povo de Israel. Segundo nossos Sábios, o número de sacrifícios ofertados em cada uma das duas festividades revela que Sucot é uma festa judaica com uma mensagem universal, ao passo que Shemini Atseret tem uma mensagem exclusivamente judaica. Em Sucot, os touros que eram sacrificados representavam todas as nações do mundo que iam ao palácio do Rei. Ao término daqueles sete dias, todos voltavam para suas casas. Mas quando um dos filhos estava para partir, o Rei volta-se para ele e diz: “Gostaria que você ficasse no palácio, um dia mais, para que pudéssemos ficar juntos, apenas você e Eu”. Daí o dia festivo adicional, Shemini Atseret, e o único touro que era ofertado nesse dia.

O natural e o sobrenatural – O fato de que Sucot é uma festa de sete dias e que Shemini Atseret é chamada de “oitavo dia”, ainda que seja uma festividade independente, é profundamente significativo.No judaísmo, o número sete representa um ciclo natural.

D’us criou o mundo em sete dias, cada um correspondendo a uma das sete Sefirot emocionais, e é por isso que uma semana – que é um ciclo básico e fixo de tempo – é composta de sete dias. Muitos dos mandamentos do judaísmo são associados com o número sete: o Shabat, o ano sabático, as Sheva Berachot (os sete dias de júbilo após o casamento) e outros. E o que representa o número oito? Aquilo que está acima do natural: o sobrenatural. Chanucá, por exemplo, é celebrado durante oito dias por causa do milagre sobrenatural do azeite. De modo similar, o Brit Milá ocorre no oitavo dia do nascimento de um menino porque simboliza a conexão sobrenatural entre os judeus e D’us. Mas, diferentemente de Chanucá, que é uma data sagrada rabínica – pois celebra eventos que ocorreram muito depois da outorga da Torá – Shemini Atseret é a única festividade bíblica associada ao número oito. Pessach dura sete dias – pois o oitavo só é celebrado na Diáspora. Shemini Atseret, na qual somente um touro, representando o Povo de Israel, era ofertado no Templo Sagrado, nos ensina, assim como o Brit Milá, que nossa conexão com D’us transcende todas as limitações.

Os dois temas subjacentes a Shemini Atseret – o júbilo e a conexão íntima e sobrenatural do Povo Judeu com D’us – são entrelaçados. A Cabalá ensina que o júbilo rompe todas as fronteiras: permite que a pessoa transcenda todas as barreiras e obstáculos do mundo natural e atinja objetivos sublimes – seja no âmbito material seja no âmbito espiritual. Esse conceito foi ensinado por um grande sábio, cabalista e obrador de milagres, o Rabi Shmuel Schneerson, quarto Rebe da dinastia Chabad-Lubavitch. Rabi Shmuel ensinava: “O mundo diz: ‘Se você não pode passar por baixo de um obstáculo, salte por cima dele. Mas eu digo: Em primeiro lugar, salte por cima dele”! Esse conceito de pular por cima dos obstáculos é o que Shemini Atseret nos transmite: que por força de nossa alma e nossa conexão com D’us, temos o poder de transcender o mundo natural e todos os seus limites e limitações. Quando servimos a D’us com alegria, conseguimos saltar os obstáculos. Segundo o judaísmo, além de representar o milagroso, o número oito também simboliza a perfeição. Outra razão para o Brit Milá se realizar no oitavo dia é porque um dos vários propósitos da circuncisão é “completar” ou instilar o potencial de perfeição no ser humano. Um dos significados de “Atseret” é “reter” – reter algo para levá-lo ao seu estado de inteireza ou perfeição. Assim sendo, o nome Shemini Atseret significa o oitavo dia, que é o dia adicional que leva o sétimo dia de Sucot a seu estado de perfeição. E essa é mais uma razão para representar o clímax do júbilo, mais ainda do que Sucot: porque representa um estado de perfeição do júbilo.

O preceito e a promessa de júbilo – “Bayom haShemini (no oitavo dia) será uma Atseret (assembleia) para vocês” (Pinchas, 29:35). O Santo, Bendito é Ele, disse a Israel: “No dia de Shemini Atseret vocês e Eu rejubilaremos juntos”. Ao ouvir isso, Israel exaltou o Todo Poderoso, e disse: “Este é o dia com que nos brindou o Eterno e nele nos alegraremos e nos regozijaremos!” (Salmos, 118:24). “Rabi Abin disse: ‘Não sabemos se esse júbilo se refere ao dia ou a D’us’. Então, veio (o Rei) Shlomó e explicou: ‘ Em Ti nos regozijaremos e nos alegraremos…’ (Cânticos, 1:4): ‘Em Ti’ – isto é, em Tua Torá; ‘Em Ti’ – isto é, em Tuas salvações”. (Pessikta de R. Kahana, seção 30). Como dissemos acima, Shemini Atseret, diferentemente de outras festas do calendário judaico, não possui ritual especial – exceto um: Simchá, uma alegria extraordinária.

O mandamento da Simchá desse dia é ordenado na própria Torá, no versículo: “E serás somente jubiloso” (Re’ê 16:15). Nossos Sábios observam que esse versículo não é apenas um preceito, mas também uma promessa Divina: “Se cumprires o mandamento de Simchá, tens a garantia de que serás jubiloso para sempre”.
Conta-se a história de um renomado Tzadik, um verdadeiro justo, que quando criança, certa vez pediu a seu pai uma maçã, que lhe foi negada. A precoce criança rapidamente recitou a bênção apropriada para uma maçã. O pai, não querendo que o filho fosse culpado por ter recitado uma berachá em vão, com o nome de D’us, não teve escolha senão dar prontamente uma maçã ao filho… Essa história se aplica à mensagem subjacente de Shemini Atseret. Se nessa data festiva nós nos alegrássemos como nos ordena a Torá, com fé absoluta de que D’us nos dará a todos, individual e coletivamente, um ano bom e doce, esta alegria por si só levaria nosso Pai Celestial a atender os desejos fervorosos de Seus filhos, não permitindo que nossos desejos e o cumprimento do mandamento de sermos felizes, tenham sido em vão.

Shemini Atseret e a Redenção Messiânica – Shemini Atseret é também uma festividade cujo tema é o júbilo porque alude à utopia de que os seres humanos sempre sonharam: o dia da alegria duradoura para todos. Outro significado do termo Atseret é “final, encerramento”, já que Shemini Atseret é a conclusão das festas bíblicas iniciadas em Pessach. O renomado místico e comentarista, Rabi Abraham Saba (final do séc. 15), escreveu que o número oito de Shemini Atseret (“o oitavo dia”) refere-se às oito potências mundiais que oprimiram o Povo Judeu. Assim, “Como este oitavo dia indica o fim de todas essas potências, está escrito, ‘No Oitavo Dia será Atseret para vós’, para aludir ao fato de que esse é o dia de nossa salvação, o dia de nossa redenção e salvação de nossas almas” (Tzror Hamor, Pinchas 29:35).

As festividades bíblicas celebram eventos do passado de nosso povo: Pessach celebra nossa libertação da escravidão egípcia; Shavuot, a entrega da Torá; e Sucot, os 40 anos em que os Filhos de Israel vagaram pelo deserto sob a proteção da Sombra do Todo Poderoso. Shemini Atseret, por outro lado, celebra um evento futuro – o mais esperado de toda a história humana. Shemini Atseret é a mais jubilosa das festas bíblicas porque deve ser um vislumbre do Yom Shekulo Tov – o dia inteiramente bom, que durará por toda a eternidade. [2]

Fontes: [1] Morasha, Edição 89 – Setembro de 2015: http://www.morasha.com.br/sucot/hoshana-raba.html
[2] Morasha, Edição 77 – Agosto de 2012: http://www.morasha.com.br/shemini-atseret/shemini-atseret-a-festa-de-nosso-jubilo.html
Coordenador: Saul Stuart Gefter 19 de Tishrei de 5780 – 18 de Outubro de 2019

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