BRIT MILÁ (5780) – 25 de outubro de 2019 – 26 de Tishrei de 5780

O nascimento de uma criança é uma experiência emocional para todos que dela participam. É um verdadeiro milagre que se reproduz a cada nascimento e transforma a vida dos pais.

É um dos instantes singulares no qual se tem consciência da grandiosidade Divina. E a mãe, que passou 40 semanas apreensiva, enfrentando o desconforto do final da gravidez, esquece todas as dores, vivenciando apenas essa experiência única.

Esse milagre, obra do poder de D’us, está presente no relato da Bíblia sobre a imensa alegria de Eva após ter dado à luz seu primeiro filho. Ao segurar em seus braços “carne de sua própria carne”, sente uma alegria que jamais sentira e percebe que D’us participou nesse processo de criação. Um midrash explica que há três parceiros no nascimento de uma criança: o pai, a mãe e D’us. O pai é o responsável pela matéria branca, como os ossos, cavidades, unhas, cérebro e a parte branca dos olhos. A mãe é quem dá a matéria vermelha, que forma a carne, o cabelo, o sangue, a pele e a parte escura dos olhos. D’us oferece o espírito, o hálito, a beleza dos traços, a capacidade de ver, ouvir, pensar, falar e andar.

Desde os primórdios do judaísmo as crianças são consideradas algo precioso, que deve ser protegido, merecedor de tempo e energia. Esta visão não era comum nas civilizações antigas. Estudos arqueológicos e documentos antigos revelam que o infanticídio era aceito como forma mais efetiva de controle de natalidade, tanto na antiga Grécia quanto em Roma. Recém-nascidos eram abandonados nas ruas e nos campos.

Para o judaísmo, as crianças são os depositários de nossa tradição milenar, a garantia da continuidade do povo judeu. Sem nossos filhos não há judaísmo e é dever dos pais cuidar deles e protegê-los física e espiritualmente. As tradições para se receber e proteger a criança variam de comunidade a comunidade e de época a época. Nos tempos bíblicos, em Israel, era costume celebrar o nascimento plantando uma árvore – cedro para homens e pinheiro para mulheres.

A criança iria crescer assim como a árvore. No dia do casamento, os pais dos noivos construíam com estas árvores o aposento nupcial. Em algumas comunidades, são colocados perto da cabeça do bebê livros com os Salmos de David, para protegê-lo. Em outras, fitas vermelhas ou pedras azuis utilizadas para evitar o ayn raá – mau olhado.

Os meses que antecedem o nascimento são cheios de feliz expectativa. Os pais estão ansiosos para que tudo esteja pronto para receber seu filho. Mas, apesar da ansiedade, alguns casais têm o costume de adiar os preparativos até o bebê nascer.

Algumas diferenças marcam as tradições do brit milá nas diversas comunidades sefaradim. Na comunidade síria, por exemplo, costuma-se fazer na noite que antecede o brit uma reunião religiosa festiva chamada Shadd-il-Asse. Os convidados – parentes, amigos e rabinos – lêem em aramaico trechos do Zohar visando a proteção do recém-nascido. Segundo os ensinamentos cabalísticos, um menino passa a ser judeu “por completo” somente após o brit, quando se torna parte da Aliança de D’us com o povo judeu, através de Abrahão. Assim que a leitura termina, são cantadas músicas típicas sefaradim, enquanto são servidos doces e refrescos.

O brit milá é realizado, em geral, logo cedo pela manhã. A avó costuma ser a madrinha e entregar o bebê a alguém a quem se queira homenagear. Em seguida, o bebê passa para os braços do irmão mais velho (ou de outro membro da família), que terá a honra de colocar a criança sobre a almofada ou a cadeira de Eliahu Hanavi. Na comunidade síria não há cadeira especial para Eliahu Hanavi, mas sim um parochet – tecido que cobre a arca para a cerimônia – especial no qual está inscrito o nome do profeta. Este é colocado em uma cadeira que simboliza a de Eliahu e na qual ninguém se senta.

Geralmente o sandak – padrinho do primeiro filho varão de um casal é o avô paterno; e, do segundo, o materno, e assim por diante. Pela tradição da maioria dos sefaradim os nomes são dados em homenagem aos pais vivos, da mesma forma como era feito desde o período Mishnaico até a Idade Média. A ordem de prioridade é a seguinte: o primeiro filho homem recebe o nome do avô paterno e o segundo, do avô materno. Procede-se da mesma forma com as meninas, que recebem os nomes de suas avós. A comunidade síria segue até hoje este costume. Algumas vezes os pais escolhem nomes de outros membros da família a quem querem homenagear.

Significado da circuncisão – De acordo a Aliança Sagrada selada entre D’us e Abrão, há 3.700 anos, se o bebê for do sexo masculino, deve ser feito o brit milá, um evento que movimenta toda a família. Mas o que significa brit milá? Em hebraico, brit (bris, na pronúncia ídiche) significa “pacto” e milá, circuncisão.

D’us ordenou a Abrãao o seguinte mandamento: “E vós sereis circuncidados na carne de vosso prepúcio. E será o símbolo de uma aliança entre Mim e vós…” (Gênese, 17:11). “E vós mantereis Minha aliança, vós e todos os vossos descendentes, por todas as gerações” (Gênese, 17:9-12). Desde então, os meninos de todas as nossas gerações são circuncidados no oitavo dia após o nascimento – e nunca antes.

A circuncisão simboliza o elo do novo filho do povo judeu com o seu passado, bem como sua lealdade com o seu legado futuro. Durante o ritual, são feitas preces que expressam a gratidão dos pais e pedem a bênção divina para o recém-nascido. Nesse momento, a criança recebe seu nome hebraico.

É o mandamento mais respeitado e observado em toda a história e a tradição judaica, seguido fielmente geração após geração, até mesmo durante períodos de perseguição religiosa. Todos aqueles que tentaram eliminar o judaísmo tentaram, sem sucesso, abolir a circuncisão.

Quando os selêucidas governavam a Terra de Israel, o rei Antíoco IV determinou que a prática da circuncisão fosse punida com pena de morte. Mesmo diante do risco de vida, os judeus não se submeteram a essa proibição.

Após a destruição do Segundo Templo, o imperador romano Adriano também proibiu a circuncisão. Mais uma vez os judeus arriscaram suas vidas pelo direito de continuar a respeitar suas leis. No século V, na Espanha, o rei Sisibut ordenou aos judeus aceitar o batismo no lugar da circuncisão, pois assim teriam seus direitos assegurados. A resposta dos judeus foi taxativa: “A lei da circuncisão é a raiz da nossa religião… Mesmo sob pena de morte não abandonaremos nenhuma de nossas leis, essa em especial”.

O brit milá é feito no oitavo dia mesmo se este cair no Shabat ou em Yom Kipur. A cerimônia só pode ser adiada no caso de a criança estar doente ou abaixo do peso determinado pelas leis da halachá. O ritual começa com uma declaração do pai de sua intenção de cumprir esta mitzvá. O bebê é trazido sobre uma almofada por uma das avós ou pela madrinha, sendo colocado por alguns momentos na cadeira destinada ao profeta Eliahu que, segundo a tradição, está presente durante toda a cerimônia.

Denominado em referências bíblicas de “o anjo do pacto” e o protetor das crianças, Eliahu lutou no século X antes da era comum contra os soberanos do Reino de Israel – o rei Ahab e a rainha Jezebel, que haviam introduzido o culto a Ba’al, abandonando a Aliança com o Eterno, ou seja, a circuncisão. De acordo com a tradição, D’us recompensou o zelo de Eliahu determinando que nenhum brit milá ocorreria sem a sua presença. Sentado, Eliahu Ha-Navi observaria o cumprimento da Aliança.

Em seguida, a criança é colocada sobre os joelhos do sandak, que a segura durante a circuncisão, feita por um mohel – geralmente um rabino que recebeu um treinamento médico e religioso para realizar o procedimento. Nos tempos bíblicos era o próprio pai quem circuncidava o seu filho.

Ser escolhido como sandak é uma grande honra. Em geral, escolhe-se o mais velho ou o mais respeitado membro da família, freqüentemente, o avô paterno ou materno. Como vimos no texto acima, em algumas comunidades o avô paterno é sandak do primeiro filho de um casal e o materno, do segundo. No fim da cerimônia dá-se o nome em hebraico para a criança. Após o brit milá costuma-se realizar uma cerimônia festiva chamada seudat mitzvá.

Nome, a essência da alma – A palavra alma em hebraico, neshamá, é composta de quatro letras. Ao soletrar-se as duas letras do meio, surgirá a palavra shem, que significa “nome”. Diz a tradição judaica que o nome de uma pessoa é a essência de sua alma.

Está escrito que quando os pais escolhem um nome para o seu bebê são abençoados com inspiração divina. O nome não é apenas descritivo, é também profético. “Ele é como seu nome” (Samuel 25:25). O costume de não divulgar o nome da criança até a circuncisão ou a cerimônia de atribuição do nome tem origem em um conceito talmúdico.

Os meninos são nomeados durante a cerimônia de brit milá. As meninas recebem o nome hebraico na sinagoga, durante o primeiro Shabat que segue o seu nascimento. O pai é chamado para uma aliá à Torá e o mesader anuncia o Avi Habá. Em seguida, a congregação canta Pizmonim Lezeved Habat. O rabino lê a berachá, a misheberach e o nome da menina é dado com Bemazal tov ubisheat berachá. É uma reza com votos para que os pais tenham muitas alegrias com essa filha, que a vejam casada e mãe de filhos.

É costume na comunidade judaica ter um nome civil e um hebraico. Somos conhecidos na comunidade pelos nomes hebraicos e os usamos em cerimônias religiosas como barmitzvá, batmitzvá e ao recitar as preces na sinagoga ou sob a chupá, entre outras. Os homens o utilizam também quando são chamados à Torá e durante outros eventos.

Há duas tradições diferentes para guiar os pais em sua decisão de escolher os nomes de seus filhos. Os ashquenazim não costumam dar nome a uma criança em homenagem a um parente vivo. Os sefaradim, por sua vez, honram aqueles que mais respeitam e admiram, dando seu nome em vida ao recém-nascido.

É interessante notar que os judeus nem sempre tiveram sobrenomes. Estes não eram necessários quando viviam em cidades pequenas e quase não tinham contatos fora da comunidade. Uma pessoa poderia ser chamada a vida inteira de Chaim Ben Moshe e nunca precisar de sobrenome. Ou seu nome poderia ser Chaim, o padeiro, se essa fosse sua profissão.

Há aproximadamente 200 anos os países europeus começaram a exigir que os judeus tivessem sobrenomes e os registrassem. Freqüentemente os judeus criavam seus sobrenomes baseados em sua profissão ou no nome da cidade ou país de onde provinham. … Estes nomes logo criaram raízes e foram transmitidos de geração em geração. [1]

II. Recebendo de volta dos Anussim – Uma Teshuvá Haláchica do Rabino David A Kunin
… A história de perseguição e segredo dos anussim são conhecidas há mais de 600 anos. Então o seguinte pode ser demonstrado claramente: 1) Os anussim tem sido um segmento identificável, ainda que oculto, da comunidade judaica por mais de meio milênio. 2) Os anussim consideram-se parte do povo judeu apesar do perigo e apesar de estarem apartados do mundo judeu. Os anussim também têm mantido uma notável dedicação aos ensinamentos e rituais da tradição judaica o máximo que podem, apesar do perigo e do isolamento. E a comummente severa resposta da comunidade judaica é uma pobre retribuição para uma sobrevivência assim tão heróica diante da perseguição, do medo e do teste do tempo. Baseado na discussão acima, segue a minha opinião.

Devido à história particular dos anussim que mantiveram a sua identidade, convicções e práticas judaicas secretamente e em geral colocando-os em risco, e a partir das palavras do rabino Solomon Duran, os anussim devem sempre ser considerados parte do povo judeu; nenhuma cerimónia é necessária de conversão é necessária, tampouco é necessário investigar a genealogia dos anussim em processo de retorno para demonstrar uma clara linha matrilinear de descendência.

Porém, é aconselhável prover e encorajar a educação contínua de adultos assim como fazemos para todos os judeus, de forma que os anussim em processo de retorno podem exercer um papel pleno na vida sinagogal. Também pode ser útil desenvolver um ritual de retorno dentro da congregação como uma forma de celebração e formalização do retorno.

Como todos os homens judeus, aqueles anussim que desejam retornar devem ser circuncidados ou passar por hatafát dám brit, usando as mesmas bênçãos utilizadas para o brit milá no oitavo dia após o nascimento de um menino judeu.

É uma obrigação de todos os judeus alcançar os nossos irmãos e irmãs da comunidade de anussim a fim de facilitar o retorno à comunidade judaica de todo aquele que desejar retornar.

David Kunin é rabino do Templo Ohr Shalom em San Diego, uma congregação com muitos membros cripto-judeus.
“Após a conclusão de todos os passos de estudo da Torá, a aceitação do jugo da Torá e seus mandamentos, a circuncisão e a imersão, ele deverá receber um certificado com o título, `Certificado para ele que retornou aos caminhos dos seus antepassados”.

Mordechai Eliyahu (1929-2010), Ex-Rabino-Chefe sefaradí de Israel [2]

Fontes: [1] Morahsa, Edição 33 – Junho de 2001: http://www.morasha.com.br/leis-costumes-e-tradicoes/brit-mila.html
[2] Portal Anussim: https://www.anussim.com.br/halacha/teshuva-halachica-rabino-david-a-kunin.php
Coordenador: Saul Stuart Gefter 26 de Tishrei de 5780 – 25 de outubro de 2019

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