ESPIRITUALIDADE E A CURA NO JUDAÍSMO (5780) – Estudo para 12 de junho de 2020 – 20 de Sivan de 5780

I. Espiritualidade e cura no judaísmo – A religião pode tornar mais lento o avanço do câncer? Aliviar a depressão? Reduzir a pressão sanguínea? A crença em D’us pode retardar a morte? Hoje, começam a surgir inúmeras pesquisas tentando provar o quanto a fé pode contribuir para a saúde. Sentindo a necessidade crescente de apoio espiritual, mais da metade das faculdades de medicina nos Estados Unidos já incluem cursos de Espiritualidade e Medicina em seus currículos. Embora a ciência ainda não tenha compreendido inteiramente a relação benéfica entre religiosidade e cura, pessoas de diversas crenças tomam a dianteira, levando o conforto da religião àqueles que enfrentam situações difíceis.

E o Judaísmo, o que oferece como resposta à dureza da fragilidade humana? Para aprofundar-se sobre essa questão, formou-se há quatro anos o Núcleo de Healing e Bikur Cholim da Comunidade Shalom, em sincronia com a busca global por um resgate da espiritualidade e com o Tikun Olam (consertar o mundo). A raiz da palavra Healing (cura) vem do anglo-saxão haelen, que significa estar ou tornar-se inteiro, íntegro. O conceito, portanto, abrange não apenas a cura física, mas também uma força inerente à vida, cujo movimento se orienta em direção à reorganização corpo-mente-espírito. É a invocação de uma das qualidades mais poderosas do ser humano: a resiliência – ou, para usar outra palavra em voga, a auto-cura. Os estudos do núcleo geraram frutos excepcionais. Aprofundando-se na leitura de textos judaicos, descortinam-se dentro de nossa tradição recursos poderosos, capazes de criar uma atmosfera promovedora de Healing, como a mitzvá de Bikur Cholim’ (visitar os doentes), salmos, preces, rituais e a simbologia das festas do calendário, que favorecem a reconexão de cada um com suas raízes, com o Divino e com a Comunidade. [1]

II. Mitzvá de Bikur Cholim (Visitar o Doente), Por Esther Goldberger
… No tratado do Talmud Nedarim 40a encontramos a história de um dos alunos de Rabino Akiva que adoeceu e ninguém foi visitá-lo. Quando Rabino Akiva soube da condição de seu aluno, ele foi fazer a mitzvá de bikur cholim (visitar o doente), chamando alguns de seus estudantes para irem na residência do cholêh (enfermo). Rabino Akiva e seus estudantes limparam a casa e borrifaram água no chão para evitar que a poeira subisse. O estudante quando viu isso, exclamou: “Rabino Akiva, você me trouxe de volta à vida!” Rabino Akiva ensinou a partir de então que alguém que visita uma pessoa doente é considerado como que tivesse salvado uma vida. O exemplo mais famoso de visita a uma pessoa doente é o Midrash baseado em Bereshit (Gênesis) 18, quando Hashem fala com Abraão três dias após o brit milá. O Midrash sobre este texto da Torá nos ensina que Hashem estava ensinando a humanidade a cumprir a mitzvá de bikur cholim (visitar o doente).

BIKUR CHOLIM – No serviço de Shacharit, ao recitarmos as bênçãos da Torá, citamos alguns trechos do Talmud e em um deles, há uma descrição de algumas mitzvot de destaque. Estas são mitzvot que fazemos sem interesse algum de receber algo em troca. A mitzvá de bikur cholim está entre elas. Embora no hebraico antigo a tradução de bikur cholim seja literalmente bikur = VISITAR – cholim = DOENTES, no hebraico moderno a palavra bikur é mais popularmente interpretada como como CHECAR, VERIFICAR se o doente precisa de algo. Ao performar esta mitzvá, é recomendável observar como podemos ajudar a pessoa doente, tanto no aspecto emocional quanto físico. Também é recomendável que rezemos pela pessoa, de forma curta, na frente dela.

COMO A MITZVÁ É FEITA – Esta mitzvá é tão essencial na vida judaica, que além de performá-la de forma pessoal, há também organizações regidas na maioria das vezes por VOLUNTÁRIOS que fazem o seu melhor para ajudar a todos os cholim (doentes) e suas famílias.

COMO FAZER A MITZVÁ DE UMA FORMA PESSOAL? Há vários pontos a serem levados em consideração ao fazer a mitzvá de bikur cholim:
– Entender que não fazemos esta mitzvá para ganho pessoal ou para satisfazer qualquer necessidade nossa. Antes de pensar em sair de casa, devemos focar em 100% em nos dedicarmos a ajudar o cholêh (doente), mesmo que isso nos retire momentaneamente de nossa zona de conforto.

– Não visitar o doente no momento que ele adoece. Em casos onde a doença não coloca a pessoa em risco de morte, é aconselhável esperar no mínimo três dias antes de ir visitá-la.

– Comunicar a família do desejo de visitar o doente e perguntar qual o melhor horário. Visitas curtas são as melhores, pois temos que manter sempre em mente o que é mais confortável ao cholêh. Nem tão cedo e nem tão tarde. PARA QUEM TEM DISPONIBILIDADE, geralmente o melhor horário de fazer visitas é entre o final da manhã e início da tarde, que é aproximadamente o período do dia em que Rabino Akiva visitou seu aluno. No entanto, cada caso é um caso, e por isso devemos sempre perguntar a família da pessoa doente qual o melhor horário de visita.

– Aruch HaShulchan, Yoreh Deah 335:3 nos ensina que uma das formas mais elevadas de fazer esta grande mitzvá é se disponibilizar para passar a noite no hospital para evitar que o cholê fique sozinho ou para ajudar a família. Em alguns casos de crianças hospitalizadas, os pais chegam a um estado de exaustão – por dormirem no hospital – que começam a ter a própria saúde danificada. A fim de ajudar estes pais, é um ato de grande chessed voluntariar para passar uma noite observando a criança enquanto os pais podem ir para casa e ter uma noite de sono para que se sintam fortalecidos no dia seguinte e voltem a cuidar da criança doente.

– Não existe um limite de vezes que alguém pode fazer a mitzvá de bikur cholim durante o dia.

– Visitamos tanto cholim jovens quanto idosos. As vezes as pessoas pensam que jovens não necessitam tanto de visitas, mas isso é um engano. Tanto o jovem quanto o idoso se sentem confortados quando vêem que alguém demonstra interesse pelo seu bem estar. Além do mais, a pessoa que performa a mitzvá também se comunica com familiares do doente, e assim, verifica se há necessidades naquele lar que podem ser supridas pela pessoa que visita ou pela comunidade judaica.

– Há uma variação de opiniões se é correto visitar uma pessoa a qual não temos um bom relacionamento, já que isso pode ser interpretado por tal pessoa como um ato de provocação ou regozijo pela doença dela. Caso você sinta o desejo de visitar um desafeto enfermo, o melhor a se fazer é comunicar primeiro a um conhecido do doente do seu desejo de visitar e o doente decide se quer ou não receber sua visita.

– Embora a mitzvá seja focada em VISITAR o doente, fazer uma ligação também pode ajudar e algumas opiniões dizem que ligar é considerado parte da mitzvá de bikur cholim. (Minha experiência pessoal: logo que cheguei ao Canadá, devido a brusca mudança de temperatura, eu fiquei muito doente por alguns meses. Como não conhecia quase ninguém por aqui, somente uma única pessoa se prontificou a me ligar e perguntar se eu precisava de algo. Aquela ligação me ajudou muito e até hoje sou grata a esta pessoa. Sendo assim, do meu humilde ponto de vista, eu concordo com a opinião de que uma ligação cumpre a mitzvá)

– Se uma pessoa rica e uma pobre estiverem doentes ao mesmo tempo, é considerado uma mitzva maior visitar a pessoa pobre, pois pode ser que ela precise de mais cuidados.

– Podemos visitar pessoas do sexo oposto, tanto em suas residências quanto em hospitais, contanto que a doença não interfira na dignidade da pessoa (por exemplo: há tratamentos médicos em que partes do corpo precisam ficar expostas, neste caso, se o doente se sentir desconfortável na presença de uma pessoa do sexo oposto, devemos respeitar a vontade do doente). Em caso de dúvida, já que cada caso é um caso, é sempre bom se aconselhar com seu Rabino a este respeito.

– Há opiniões que ensinam que devemos rezar pela pessoa doente na presença dela, para que ela se sinta amada e fortalecida. Não é necessário uma reza longa ou cheia de palavras pomposas. Uma simples frase “Hashem, por favor cure esta pessoa entre os demais doentes do povo Judeu” é suficiente. Ao rezar pela pessoa na frente dela, não é necessário citar o nome da pessoa e pode-se rezar em qualquer idioma já que nos é ensinado no tratado Shabbat 12b que a presença divina descansa sobre a cabeça do cholêh e nossas rezas são ouvidas sem qualquer interferência. O Talmud em Berachot 12b ensina que uma pessoa que é capaz de rezar pelo doente e não o faz, é considerada como se tivesse cometido uma transgressão. Rabino Moshe Isserles, o REMA, ensinou que uma pessoa que visita um doente e não reza por ele não cumpriu a mitzva de bikur cholim.

– Citar Tehilim (Salmos) também é visto como uma maravilhosa atitude a fim de ajudar na recuperação do doente. Quando visitamos alguém em um hospital, não precisamos necessariamente recitar Tehilim na frente da pessoa. Podemos recitá-los na sala de espera, no corredor ou em qualquer outro local em que possamos recitá-los com tranquilidade. Alguns cholim gostam quando seus visitantes citam Tehilim, outros vêem a prática com estranheza; sendo assim o melhor a fazer é ter bom senso e jamais tomar qualquer iniciativa que cause stress no cholêh.

– Ao visitar judeus SEFARADITAS que estão deitados em um leito, evite a todo custo a se colocar na frente dos pés do cholêh. Muitos interpretam isso como quando Yosef foi visitar seu pai Yaakov pouco antes do falecimento de Yaakov. De uma forma GERAL, judeus Ashkenazitas não se preocupam onde seus visitantes se colocam. Mas por via das dúvidas, caso você não veja ninguém se colocando na frente dos pés de um judeu ashkenazita que esteja acamado, não seja o primeiro.

– Dizemos ao doente REFUAH SHLEMA antes de sairmos de sua presença, onde expressamos nosso desejo de que o cholêh tenha uma cura completa e rápida.

– Repito que visitas a cholim não devem ser longas, a não ser que o cholêh peça. De uma forma geral, eu diria que entre 15 minutos e 1 hora (1 hora somente no caso do cholêh precisar de sua presença para se sentir melhor) é um bom tempo de visita. Cada caso é um caso. Use de bom senso.

– Não é necessário levarmos presentes para o cholêh, porém, caso sintamos a necessidade de animar a pessoa através de um presente, podemos levar algum tipo de material de leitura, comida casher (CASO NÃO INTERFIRA COM QUALQUER DIETA PRESCRITA PELO MÉDICO), etc. Presentes devem sempre ser pequenos, para não causar sensação de desconforto para os doentes, familiares e demais visitantes.

ASSOCIAÇÃO DE BIKUR CHOLIM – Há várias associações de Bikur Cholim espalhadas ao redor do mundo. Geralmente elas são regidas por voluntários. Algumas possuem poucos alguns funcionários pagos. Tais associações/grupos/organizações fazem o seu melhor para ajudar o cholêh e sua família, principalmente em hospitais ou quando os mesmos precisam de cuidados especiais. Não é preciso muito para iniciar uma organização de Bikur Cholim. O único requisito obrigatório é disposição para cumprir a mitzvah. Até mesmo você que está lendo este post pode iniciar um grupo dedicado a Bikur Cholim. Entre os vários tipos de assistência que o grupo de Bikur Cholim proporciona, estão:

– prover alimentação casher para cholim e/ou familiares judeus em hospitais

– prover apoio emocional e espiritual através de visitas, a fim de que nenhum paciente se sinta abandonado. Os voluntários do Bikur Cholim em hospitais são treinados para lidar com situações diversas.

– prover contatos ou fazer o empréstimo de equipamentos leves como cadeira de rodas, bengalas, equipamento sanitário, etc.

– ajudar familiares do cholêh a encontrar acomodação para que passem Shabbat próximos ao hospital

– ajudar o cholêh ou familiares com todas as necessidades de Shabbat e feriados judaicos

– algumas associações de Bikur Cholim possuem voluntários que podem dirigir para o cholêh, auxiliando-o a ir a consultas médicas e exames

– algumas associações de Bikur Cholim pedem autorizações a hospitais para que alguns gabinetes lhes sejam emprestados a fim de guardar qualquer material que seja necessário para o Shabbat. Algumas associações conseguem permissão de hospitais para que tenham uma mini geladeira, onde mantém lanches casher Todas as atividades de uma associação de Bikur Cholim depende da disponibilidade de seus VOLUNTÁRIOS. Além destas associações, judeus e judias de qualquer lugar podem se unir para ajudar os cholim de sua comunidade. [2]

III. Tikun Olam, Reparando o mundo –  Qual é meu lugar neste planeta? Definitivamente temos que assumir que o mundo está quebrado. E necessita de reparação. Tikun Olam significa literalmente: reparar o mundo. [3]

IV. Bênção de Cura – Berachá Refuáh – A Bênção de Cura (Refuáh), é uma das várias bênçãos (Brachot) do judaísmo, é a oitava bênção a ser recitada na oração da tarde, a “Amidá” que se encontra no livro de orações o Sidur, e recita-se a seguir à Bênção da Redenção, esta oração é retirada do livro de Jeremias, Capítulo XVII e versículo 14, e é uma das bênçãos que se pede ao longo da semana, é usada também isoladamente para o pedido de intercessão de HaShem na cura de um familiar ou amigo doente. Abaixo a oração completa, em hebraico transliterado, português e hebraico na versão sefardita.

Berachá Refuáh – hebraico transliterado: Refaênu Adonai venerafê, hoshiênu venivashêa, ki tehilatênu áta, vehaale aruchá urefuá shelema lechol macotênu, ki El mélech rofê neeman verachaman ata. Baruch ata Adonai, rofê cholê amo Yisrael.

Bênção de Cura traduzido para português: Cura-nos, Eterno, e seremos curados; socorre-nos e seremos socorridos, pois que Tu és objeto de nossos louvores. Restaura a nossa saúde e concede-nos uma perfeita cura a todas as nossas feridas, pois Tu és D’us, Rei, Médico fiel e misericordioso. Bendito sejas Tu, Eterno, que curas os doentes do Teu povo Israel. [4]

Fontes: [1] Coisas Judaicas, https://www.coisasjudaicas.com/2010/09/espiritualidade-e-cura-no-judaismo.html
[2] A Vida Pratica Judaica: 03.07.2019: https://www.vidapraticajudaica.com/single-post/2019/07/03/Mitzv%C3%A1-de-Bikur-Cholim-Visitar-o-Doente
[3] Feb 11, 2020: https://www.youtube.com/watch?v=5xOUs3VP_5w
[4] Conhecer o Judaismo, 23 DE DEZEMBRO DE 2013: https://conhecerojudaismo.blogspot.com/2013/12/bencao-de-cura-beracha-refuah.html
Coordenador: Saul Stuart Gefter 20 de Sivan de 5780 – 12 de junho de 2020

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