REENCARNAÇÃO, JUDAÍSMO E CABALA (5779)- Estudo para 05 de julho de 2019 – 02 de Tamuz de 5779

I. Introdução – A Cabala é uma sabedoria espiritual universal. Universal no sentido de que seus ensinamentos são válidos para qualquer pessoa, assim como as leis da física são universais porque são válidas no universo inteiro. Contudo, é válido afirmar que a Cabala é a base espiritual do judaísmo. Todas as práticas judaicas têm como base ensinamentos cabalísticos, como revelou no século XVI Rabi Isaac Luria, conhecido como o Ari.

Os principais livros de Cabala são o Zohar, escrito por Rabi Shimon Bar Yochai, e os Escritos do Ari, de Rabi Isaac Luria. As afirmações do Zohar e do Ari sempre são baseadas em algum versículo da Torá, dos Profetas ou das Escrituras Sagradas.

Tanto o Zohar quanto o Ari falam de reencarnação. O Zohar, na porção de Mishpatim, discute extensamente o assunto. Rabi Isaac Luria escreveu um livro inteiro a respeito, chamado Portões da Reencarnação. Sendo assim, definitivamente o judaísmo acredita em reencarnação.

O Ari começa explicando que nós somos o aspecto espiritual que habita dentro do corpo. Quer dizer, você não tem alma, você é a sua alma. Ele explica que a alma tem cinco níveis, e que a alma precisa continuar retornando em novos corpos enquanto não tiver terminado seu processo de correção, ou tikun. O conceito de tikun (correção) equivale ao que as sabedorias espirituais orientais denominam de karma.

A partir daí, o Ari se aprofunda em detalhes do processo de reencarnação, falando, entre outros assuntos, sobre almas masculinas e femininas, almas gêmeas, casamento e divórcio. Discute a reencarnação em níveis inferiores, isto é, almas humanas que retornam em animais, vegetais ou até em objetos inanimados. O Ari revela também as reencarnações de personagens bíblicos. Por exemplo, ele revela que Rabi Shimon Bar Yochai, o autor do Zohar, é uma faísca da alma de Moisés. Ele revela que o próprio Moisés é a reencarnação de Abel, e que seu sogro Jetró é uma reencarnação de Caim. Caim matou o irmão Abel por inveja. Caim nasceu com uma irmã gêmea que era sua alma gêmea. Abel nasceu com duas irmãs gêmeas que eram suas almas gêmeas. Caim teve inveja da mulher adicional que seu irmão tinha, e por isso o matou. O Ari explica que Jetró corrigiu esse crime ao dar sua filha Tzipora como esposa para Moisés. Tzipora era a reencarnação da alma gêmea adicional de Abel. O conceito da reencarnação é a única maneira que temos de entender a justiça divina perfeita neste mundo. Há muito mais do que nossos cinco sentidos conseguem observar, e um tempo de vida não representa de forma alguma a totalidade da nossa existência. Somos almas eternas e já estivemos aqui muitas vezes. Tudo que acontece vem para nos ajudar a corrigir nossa alma. [1]

II. Reencarnação e Judaísmo – Nossos Sábios dizem que, em “determinados lugares, as palavras da Torá são pobres (pouco desenvolvidas), mas são ricas (muito elaboradas) em outros lugares” (Talmud Keritot 14b, no Tosfot).

Assim vamos encontrar o assunto da reencarnação e judaísmo. O assunto da reencarnação é um típico exemplo. Ele não figura abertamente na parte revelada da Torá (no Talmud e seus comentários). Contudo, o assunto é abordado detalhadamente nos livros esotéricos da Cabalá, principalmente nos ensinamentos do Arizal e nas obras de seus alunos. O tema reencarnação e judaísmo é parte integrante da fé judaica.

Entretanto ficou hermético e não acessível durante séculos, houve até alguns sábios que duvidaram de sua existência. Apenas a título de exemplo, o grande mestre Rav Yehuda Ariyê de Modena, Rabino de Veneza e autor de vários livros, escreve nos seus livros, quatro séculos atrás, que no início não acreditava em reencarnação, até que o filho de seis meses de idade da sua vizinha adoeceu e recitou o Shemá Yisrael como um adulto na sua frente, e então mudou de opinião (Shem HaGuedolim, do Chidá).

As almas podem reencarnar para completar uma missão. Podem ter uma oportunidade de crescimento, ou retificar uma falha de uma vida anterior. O estudo das migrações das almas é muito fascinante, pois descreve como uma alma de uma geração anterior volta numa geração posterior, em circunstâncias específicas, engenhosamente designadas para corrigir um erro do passado.

Por exemplo, conforme os ensinamentos místicos, Mordechai, na Pérsia, é uma reencarnação do patriarca Jacob. Este curvou-se para Esaú. Com isso, ele corrigiu este ato, recusando-se a se curvar para Haman, que era a reencarnação de Esaú. Assim como o feiticeiro Balaão é uma reencarnação de Labão. Foi por isso ele faleceu com 33 anos, valor numérico da palavra gal, o monte apontado por Labão como testemunho de sua promessa de não prejudicar os judeus, quebrada por Balaão.

A dinâmica encontrada no assunto de reencarnação e judaísmo – A dinâmica das reencarnações pode elucidar muitos episódios intrigantes da história. Por exemplo, os mártires falecidos nos autos-de-fé da Inquisição espanhola são almas que viveram na época do Primeiro Templo. Assim sendo lá praticaram idolatria (Miteler Rebe, Shaar Hateshuvá 5,1). Porém, explicações como estas têm suas limitações e não podem ser usadas para explicar o Holocausto, pois reencarnações e retificações não poderiam trazer consigo crimes tão horríveis e uma aniquilação tão brutal e atroz (Sêfer HaSichot 5751, Vol. 1, p. 233). Apesar de que nem todo sofrimento pode ser esclarecido através da reencarnação. Todavia ela pode ajudar a explicar tragédias individuais, como mortes prematuras, por acidentes, guerras, etc. Pode ser que tais almas precisavam retornar apenas por um curto tempo para um propósito limitado. É provável que elas cumpram grande parte de sua missão em suas vidas anteriores. O processo das migrações de alma também pode servir para confortar casais devastados pela infertilidade, sabendo que numa vida anterior já procriaram e tiveram uma linda família. [2]

III. Reencarnação e Tradição Judaica – O Judaísmo Acredita em Reencarnação? A escatologia judaica é composta de três peças básicas: A Era de Mashiach. O Mundo Vindouro. O Mundo da Ressurreição.

A Era Messiânica – Mashiach, segundo as tradicionais fontes judaicas, será um ser humano de carne e osso, nascido de mãe e pai,1 ao contrário da ideia cristã que o retrata como o filho de D’us concebido imaculadamente. De fato, Maimonides escreve que o Mashiach completará seu trabalho e morrerá como qualquer pessoa. Qual é o seu trabalho? Terminar a agonia da história e introduzir uma nova era para a humanidade em geral. O período no qual ele emerge e completa sua tarefa é chamado de Era Messiânica. Segundo uma opinião talmúdica não é uma era de milagres revelados, onde as regras da natureza são descartadas. Em vez disso, o único elemento novo introduzido ao mundo será a paz entre as nações, com o povo judeu vivendo em sua terra sob a própria soberania, livre de perseguição e anti-semitismo, livre para buscar suas metas espirituais como nunca antes.

O Mundo Vindouro – O Mundo Vindouro em si é chamado nas fontes tradicionais de Olam Habá. No entanto, o mesmo termo é usado para se referir ao renovado mundo utópico do futuro – o Mundo da Ressurreição, olam hat’chiá (conforme explicado no parágrafo a seguir). O anterior é o local aonde as almas dos justos vão após a morte – e elas têm ido para lá desde a primeira morte. Aquele local também é algo às vezes chamado de Mundo das Almas. É um local onde as almas existem num estado desencarnado, apreciando os prazeres da proximidade de D’us. Assim, as genuínas experiências de quase morte são presumivelmente lampejos ao Mundo das Almas, o lugar no qual a maioria das pessoas pensa quando o termo Mundo Vindouro é mencionado.

O Mundo da ressurreição – O Mundo da ressurreição, em contraste, “nenhum olho viu”, declara o Talmud, é um mundo, segundo a maior parte das autoridades, onde corpo e alma são reunidos para viver eternamente num estado realmente perfeito. Aquele mundo somente virá a existir após Mashiach e será iniciado por um evento conhecido como o “Grande Dia do Julgamento.” (Yom HaDin HaGadol) O Mundo da Ressurreição é então a suprema recompensa, um lugar no qual o corpo se torna eterno e espiritual, ao passo que a alma se torna ainda mais espiritual. Em comparação a um conceito como o “Mundo Vindouro”, a reencarnação não é, tecnicamente falando, uma verdadeira escatologia. A reencarnação é meramente um veículo para atingir um fim escatológico. É a reentrada da alma num corpo inteiramente novo no mundo atual. A ressurreição, em contraste, é a reunificação da alma com o corpo anterior (novamente reconstituído) ao Mundo Vindouro, uma história que ainda não foi testemunhada.

A ressurreição é então um puro conceito escatológico. Seu propósito é recompensar o corpo com a eternidade (e a alma com maior perfeição). O propósito da reencarnação geralmente é duplo: ou compensar uma falha numa vida anterior ou criar um estado novo, mais elevado, de perfeição pessoal ainda não atingido. A ressurreição é então um tempo de recompensa; a reencarnação um tempo de reparo.

A ressurreição é a época da colheita; a reencarnação o tempo de semear. O fato de que a reencarnação é parte da tradição judaica é uma surpresa para muitas pessoas. Apesar disso, é mencionada em vários locais nos textos clássicos do misticismo judaico, começando com a importante fonte da Cabalá, o Livro do Zohar. Se a pessoa é mal-sucedida em seu propósito neste mundo, o Eterno, Bendito seja, o desenraíza e o replanta muitas vezes mais. (Zohar I 186 b)

Todas as almas estão sujeitas à reencarnação; e as pessoas não sabem os caminhos do Eterno, Bendito seja! Elas não sabem que são levadas perante o tribunal tanto antes de entrarem neste mundo quanto depois que o deixam; são ignorantes das muitas reencarnações e obras secretas que têm de passar, e do número de almas nuas, e de quantos espíritos nus vagam no outro mundo sem poder entrar no véu do Palácio do Rei. Os homens não sabem como as almas se revolvem como uma pedra que é atirada de um estilingue. Porém chegará a hora em que estes mistérios serão revelados. (Zohar II 99 b)

O Zohar e a literatura relacionada estão repletos de referências à reencarnação, abordando questões como qual corpo é ressuscitado e o que acontece com aqueles corpos que não atingem a perfeição final, quantas chances uma alma recebe para atingir a compleicão através da reencarnação, se marido e mulher podem reencarnar juntos, se uma demora no enterro pode afetar a reencarnação, e se uma alma pode reencarnar num animal. Bahir, atribuído ao sábio do Século Primeiro, Nechuniah ben Hakana, usava a reencarnação para discutir a clássica questão de teodicéia – por que coisas más acontecem a pessoas boas e vice-versa.

Por que há uma pessoa boa a quem coisas boas acontecem, ao passo que [outra] pessoa justa tem coisas más lhe acontecendo? Isso é porque a [última] pessoa justa fez o mal numa vida prévia, e agora está sentindo as consequências… Como é isso? Uma pessoa plantou uma vinha e esperava cultivar uvas, mas em vez disso, cresceram uvas azedas. Ele viu que seu plantio e colheita não foram bons, portanto arrancou tudo e plantou novamente. (Bahir 195).

A reencarnação é citada por comentaristas autorizados, incluindo o Ramban (Nachmanides), Menachem Recanti e Rabenu Bachya. Dentre os muitos volumes do sagrado Rabi Yitschak Luria, conhecido como o “Ari”, a maioria dos quais chegou a nós pela pena de seu principal discípulo, Rabi Chaim Vital, são ideias profundas explicando temas relacionados à reencarnação.

Na verdade, seu Shaar HaGilgulim, “Os Portões da Reencarnação”, é um livro devotado exclusivamente ao assunto, incluindo detalhes sobre as raízes da alma de muitas personalidades bíblicas e quem eles reencarnaram desde os tempos da Bíblia até o Ari. Os ensinamentos do Ari e seus sistemas de ver o mundo se espalharam como fogo após sua morte em todo o mundo judaico da Europa e no Oriente Médio. Se a reencarnação tinha sido aceita em geral pelo povo judaico e pelos intelectuais anteriormente, tornou-se parte do tecido do Judaísmo e da erudição após o Ari, habitando o pensamentos e os escritos de grandes eruditos e líderes dos comentaristas clássicos sobre o Talmud (por exemplo, o Maharsha, Rabi Moshê Eidels) ao fundador do movimento hassídico, o Baal Shem Tov, bem como o líder do mundo não chassídico, o Gaon de Vilna. A tendência continua até hoje. Mesmo algumas das maiores autoridades que não são necessariamente conhecidas pela sua inclinação mística, assumem a reencarnação como uma doutrina básica aceita.

Um dos textos que os místicos gostam de citar como uma alusão escritural ao princípio da reencarnação é o seguinte versículo no Livro de Iyov (Jó):

Veja, todas essas coisas que D’us realiza – duas, até três vezes com um homem – trazer sua alma de volta do poço para que possa ser iluminada com a luz dos vivos. (Jó 33:29) Em outras palavras, D’us permitirá que uma pessoa volte ao mundo “dos vivos” vinda do “poço” (que é um dos termos bíblicos clássicos para Gehinom ou Purgatório) uma segunda ou terceira vez (ou múltiplas) vezes. Falando de maneira geral, no entanto, este versículo e outros são entendidos pelos místicos como meras alusões ao conceito da reencarnação. A verdadeira autoridade para o conceito está enraizada na tradição. [3]

IV. Ressurreição e Reencarnação nesta porção da Torá – Vaielêch (Deuteronômio 31:1-31:30) – בס”ד
“וַיֹּאמֶר ה’ אֶל מֹשֶׁה הִנְּךָ שֹׁכֵב עִם אֲבֹתֶיךָ וְקָם הָעָם הַזֶּה וילך – פסוק- ט”ז

Encontramos na nossa Parashá um dos cinco versículos que são exceção de regra na leitura da Torá. Sendo que o Sefer Torá não tem pontos, nos baseamos nos sinais de música chamados Teamim que vem desde a época de Moshe Rabeinu para saber aonde começa ou acaba um versículo. O motivo de precisarmos saber isso é porque não podemos dizer meio versículo quando há nele o nome de Hashem para não falarmos o nome de D’us em vão, então, para sabermos aonde terminou o versículo nos baseamos no sinal de música chamado etnachta que representa um ponto e vírgula, ou no sinal sof passuk que representa um ponto final. A Guemará em Yoma nos conta que Issi ben Yehudah nos ensinou que cinco versículos na Torá inteira saem dessa regra. Um deles está na nossa Parashá.

O versículo diz:- “E disse D’us à Moshe você se deita com seus pais e levanta esse povo e…..etc. (Nesse versículo Hashem comunica à Moshe que esse é o dia da morte dele). O etnachta se encontra na palavra “seus pais”, aparentemente determinando que lá termina o assunto (mas que nesse caso não vai determinar por causa da excessão de regra). Dizem nossos sábios na Guemará em Sanedrin que desse nosso versículo : – “Você se deita com os seus pais e levanta”, ultrapassando o ponto e vírgula aprendemos a ressurreição dos mortos pela Torá escrita . O Ari Zal nos explica que , sendo que esse versículo não tem determinação e se aplica tanto ao antes do etnachta (Moshe) e ao depois (esse povo) , aprendemos que tanto Moshe quanto esse povo se reencarnam e se tornam à última geração
Diz o Ari ZaL que Moshe Rabeinu e toda sua geração eram a “Dór Deáh” (geração do conhecimento) e a raíz das almas deles era o lado oculto da Sefirat Daat que é chamado no “Etz Haim” de “Leáh” . A geração paralela chamada “erev rav” também tinha a raíz na Daat mas era afetada pela mistura do bem e do mal nesse mundo. Moshe se reencarna e se torna Mashiach e a geração dele também se reencarna e se tornam a geração do Mashiach . Até a “erev rav” também se reencarna por também ser “dór deáh” e à ela se refere o final do versículo que diz:- “esse povo vai se levantar e ….(……)”. O sinal dessa última geração, diz o Ari ZaL, é o fato de as mulheres mandarem nos maridos , porque na reencarnação anterior , no deserto, os maridos deram os anéis para fazer o bezerro de ouro e as mulheres não quiseram dar, por isso elas mandam neles. Chegamos à conclusão que essa geração é a nossa.

Diz o Maguid de Mezritsh que uma característica da “dór deáh” é que o assunto principal deles era o conhecimento que se expressa pela fala e eles não tinham a característica da ação, e até o próprio Moshe para abrir o mar vermelho levantou o cajado mas não bateu no mar. Quando Moshe chegou perto da Terra Santa na qual o trabalho principal seria a ação das Mitzvot , Hashem disse para ele falar para a pedra para que a água volte mas ele bateu na pedra para começar o trabalho da próxima geração (ação). Hashem queria que ele falasse com a pedra para elevar a próxima geração (da ação) ao nível elevado da geração dele (do conhecimento, da fala). Toda aquela geração com Moshe e a “erev rav” tiveram que falecer no deserto e esse é o trabalho de Moshe, voltar como Mashiach e elevar toda a “geração do conhecimento” (incluindo a erev rav) por meio do estudo Torá e o cumprimento das Mitzvót, “fala e ação”. O Rebe de Lubavitch disse que essa geração somos nós. … Rabino Gloiber, sempre correndo mas sempre com você [4]

Fontes: [1] Globo Extra – Por: Shmuel Lemle em 27/12/10: https://extra.globo.com/noticias/religiao-e-fe/shmuel-lemle/reencarnacao-judaismo-cabala-803748.html [2] Prefácio do livro Reencarnação e Judaísmo do Rabino Dov Ber Pinson, Editora Maayanot 2015: http://legalsaber.com.br/reencarnacao-e-judaismo/ [3] Chabad, Por Rav Yaakov Astor (trecho de “Soul Searching”, Targum Press) : http://chabad.org.br/biblioteca/artigos/reencarnacao/home.html [4] https://oqueejudaismo.blogspot.com/2016/10/ressurreicao-e-reencarnacao-nesta.html
Coordenador: Saul Stuart Gefter 02 de Tamuz de 5779 – 05 de Julho de 2019

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