REENCARNAÇÃO E TRADIÇÃO JUDAICA (5779)- Estudo para 12 de julho de 2019 – 09 de Tamuz de 5779

I. Reencarnação e Tradição Judaica, Por Rav Yaakov Astor

O Judaísmo Acredita em Reencarnação? A escatologia judaica é composta de três peças básicas: A Era de Mashiach. O Mundo Vindouro. O Mundo da Ressurreição.

A Era Messiânica – Mashiach, segundo as tradicionais fontes judaicas, será um ser humano de carne e osso, nascido de mãe e pai, ao contrário da ideia cristã que o retrata como o filho de D’us concebido imaculadamente. De fato, Maimonides escreve que o Mashiach completará seu trabalho e morrerá como qualquer pessoa. Qual é o seu trabalho? Terminar a agonia da história e introduzir uma nova era para a humanidade em geral. O período no qual ele emerge e completa sua tarefa é chamado de Era Messiânica. Segundo uma opinião talmúdica não é uma era de milagres revelados, onde as regras da natureza são descartadas. Em vez disso, o único elemento novo introduzido ao mundo será a paz entre as nações, com o povo judeu vivendo em sua terra sob a própria soberania, livre de perseguição e anti-semitismo, livre para buscar suas metas espirituais como nunca antes.

O Mundo Vindouro – O Mundo Vindouro em si é chamado nas fontes tradicionais de Olam Habá. No entanto, o mesmo termo é usado para se referir ao renovado mundo utópico do futuro – o Mundo da Ressurreição, olam hat’chiá (conforme explicado no parágrafo a seguir). O anterior é o local aonde as almas dos justos vão após a morte – e elas têm ido para lá desde a primeira morte. Aquele local também é algo às vezes chamado de Mundo das Almas. É um local onde as almas existem num estado desencarnado, apreciando os prazeres da proximidade de D’us. Assim, as genuínas experiências de quase morte são presumivelmente lampejos ao Mundo das Almas, o lugar no qual a maioria das pessoas pensa quando o termo Mundo Vindouro é mencionado.

O Mundo da ressurreição – O Mundo da ressurreição, em contraste, “nenhum olho viu”, declara o Talmud, é um mundo, segundo a maior parte das autoridades, onde corpo e alma são reunidos para viver eternamente num estado realmente perfeito. Aquele mundo somente virá a existir após Mashiach e será iniciado por um evento conhecido como o “Grande Dia do Julgamento.” (Yom HaDin HaGadol). (Ramban, Shaar HaGemul. Citando fontes talmúdicas e midráshicas, o Ramban escreve que há três dias de julgamento, i.e., três vezes a alma é julgada. 1) Rosh Hashaná, quando revisa o ano que passou e determina as circunstâncias materiais para o ano vindouro; 2) Dia da morte, quando revisa a vida que passou e determina o que precisa para continuar a experiência de mais revisão ou está pronta para o Paraíso.

3) O Grande Dia do Julgamento, que é quando todos que viveram são ressuscitados, os justos para a vida eterna (num mundo físico espiritualizado, segundo o Ramban) e os perversos por aquilo que falta para terminar (segundo outros haverá uma categoria intermediária daqueles que são dignos de continuar num espírito desencarnado, mas não na forma física mais rara do corpo ressuscitado num mundo ressuscitado). Haverá também aparentemente diferentes graus de recompensa (i.e., vivenciando a presença de D’us) neste Mundo Renovado após o Grande Dia de Julgamento, tudo dependendo das ações da pessoa durante a vida. Tem sido questionado: Se uma pessoa é julgada após a sua morte quanto ao seu status no Mundo Vindouro, qual é o propósito do Grande Dia do Julgamento? Uma das respostas diz que depois que uma pessoa morre, todos os filhos, as boas e as más ações e a influência que ela teve sobre os outros ainda “estão em movimento”. Somente ao final da história pode ser feita a “contagem final”, então, quanto ao impacto que a pessoa teve em sua vida.)

O Mundo da Ressurreição é então a suprema recompensa, um lugar no qual o corpo se torna eterno e espiritual, ao passo que a alma se torna ainda mais espiritual.

Em comparação a um conceito como o “Mundo Vindouro”, a reencarnação não é, tecnicamente falando, uma verdadeira escatologia. A reencarnação é meramente um veículo para atingir um fim escatológico. É a reentrada da alma num corpo inteiramente novo no mundo atual. A ressurreição, em contraste, é a reunificação da alma com o corpo anterior (novamente reconstituído) ao Mundo Vindouro, uma história que ainda não foi testemunhada.

A ressurreição é então um puro conceito escatológico. Seu propósito é recompensar o corpo com a eternidade (e a alma com maior perfeição). O propósito da reencarnação geralmente é duplo: ou compensar uma falha numa vida anterior ou criar um estado novo, mais elevado, de perfeição pessoal ainda não atingido. A ressurreição é então um tempo de recompensa; a reencarnação um tempo de reparo. A ressurreição é a época da colheita; a reencarnação o tempo de semear.

O fato de que a reencarnação é parte da tradição judaica é uma surpresa para muitas pessoas. (Muitos ficam surpresos ao descobrir que a reencarnação era uma crença aceita por muitas das grandes mentes da civilização ocidental. Embora o Judaísmo, obviamente, não concorde necessariamente com todos os pensamentos e filosofias dele, apesar disso Platão, por exemplo, (em Meno, Faedo, Timeus, Fedrus e na República), defende a crença na doutrina da reencarnação. Ele parece ter sido influenciado por mentes gregas clássicas anteriores como Pitágoras e Empédocles. No Século Dezoito, a Idade do Iluminismo e do Racionalismo, pensadores como Voltaire (“Afinal, não é mais surpreendente nascer duas vezes do que nascer uma vez”) e Benjamin Franklin expressaram uma afinidade pela noção da reencarnação. No Século dezenove, Schopenhauer escreveu (na obra: Parerga e Paralipomena): “Se um asiático me pedisse uma definição da Europa, eu seria forçado a responder-lhe: ‘É aquela parte do mundo que é assombrada pela incrível ilusão de que o o nascimento da pessoa é sua primeira entrada na vida’…” Dostoevsky (em sua obra: Irmãos Karamazov) refere-se à ideia, ao passo que Tolstoy parece ter bem definido o fato de que vivemos antes.

Thoreau, Emerson, Walt Whitman, Mark Twain e muitos outros reconheceram e/ou defenderam alguma forma de crença na reencarnação. Deve-se notar, porém, que algumas autoridades clássicas da Torá, mais especificamente Saadia Gaon, do Século Dez, negava a reencarnação como dogma judaico. Emunos V’Deyot 6:3.)

Apesar disso, é mencionada em vários locais nos textos clássicos do misticismo judaico, começando com a importante fonte da Cabalá, o Livro do Zohar. (O Talmud relata que o sábio do segundo século, Rabi Shimon bar Yochai e seu filho Elazar esconderam-se numa gruta para escapar da perseguição romana. Durante treze anos eles estudaram dia e noite sem distração. Segundo a tradição cabalista (Tikunei Zohar) foi durante aqueles treze anos que ele e seu filho compuseram os principais ensinamentos do Zohar. Oculto por muitos séculos, o Zohar foi publicado e disseminado por Rabi Moshê de Leon no século Treze.)

Se a pessoa é mal-sucedida em seu propósito neste mundo, o Eterno, Bendito seja, o desenraíza e o replanta muitas vezes mais. (Zohar I 186 b) Todas as almas estão sujeitas à reencarnação; e as pessoas não sabem os caminhos do Eterno,

Bendito seja! Elas não sabem que são levadas perante o tribunal tanto antes de entrarem neste mundo quanto depois que o deixam; são ignorantes das muitas reencarnações e obras secretas que têm de passar, e do número de almas nuas, e de quantos espíritos nus vagam no outro mundo sem poder entrar no véu do Palácio do Rei. Os homens não sabem como as almas se revolvem como uma pedra que é atirada de um estilingue. Porém chegará a hora em que estes mistérios serão revelados. (Zohar II 99 b) O Zohar e a literatura relacionada (Embora o Zohar seja geralmente mencionado como uma obra de um único volume, compreendendo Tikunei Zohar e Zohar Chadash, é na verdade uma compilação de vários tratados menores ou sub-seções) estão repletos de referências à reencarnação, abordando questões como qual corpo é ressuscitado e o que acontece com aqueles corpos que não atingem a perfeição final, quantas chances uma alma recebe para atingir a compleicão através da reencarnação, (Ex.: Zohar III 216a; Tikunei Zohar 6 (22b), 32 (76b) sugere três ou quatro chances. Tikunei Zohar 69 (103a) sugere que se mesmo um pequeno progresso é feito a cada vez, a alma recebe até mil oportunidades de reencarnação a fim de atingir sua compleição. Zohar III 216a sugere que uma pessoa essencialmente justa que passa pelas agruras de vagar de cidade em cidade, de casa em casa – até mesmo tenta abrir negócios (Zohar Chadash Tikunim 107a) – é com se passasse por várias reencarnações.) se marido e mulher podem reencarnar juntos, se uma demora no enterro pode afetar a reencarnação, (“Depois que a alma deixou o corpo e o corpo não respira mais, é proibido mantê-lo insepulto (Moed Katon, 28a; Baba Kama, 82b). Um corpo morto que é deixado insepulto por 24 horas provoca uma fraqueza nos membros da Carruagem e impede que o desígnio de D’us seja cumprido; pois talvez D’us tenha decretado que ele deveria passar pela reencarnação imediata no dia em que morreu, o que seria melhor para a pessoa, mas como o corpo não está enterrado a alma não pode ir à presença de D’us nem ser transferida para outro corpo. Pois uma alma não pode entrar num segundo corpo até que o primeiro seja sepultado…” Zohar III 88b.) e se uma alma pode reencarnar num animal. (Tikunei Zohar 70 (133a).

Depois os cabalistas detalham as circunstâncias que podem levar à reencarnação em forma vegetal e até mineral. O Bahir, atribuído ao sábio do Século Primeiro, Nechuniah ben Hakana, usava a reencarnação para discutir a clássica questão de teodicéia – por que coisas más acontecem a pessoas boas e vice-versa.

Por que há uma pessoa boa a quem coisas boas acontecem, ao passo que [outra] pessoa justa tem coisas más lhe acontecendo? Isso é porque a [última] pessoa justa fez o mal numa vida prévia, e agora está sentindo as consequencias… Como é isso? Uma pessoa plantou uma vinha e esperava cultivar uvas, mas em vez disso, cresceram uvas azedas. Ele viu que seu plantio e colheita não foram bons, portanto arrancou tudo e plantou novamente. (Bahir 195) A reencarnação é citada por comentaristas autorizados, incluindo o Ramban21 (Nachmanides), Menachem Recanti e Rabenu Bachya. Dentre os muitos volumes do sagrado Rabi Yitschak Luria, conhecido como o “Ari”, a maioria dos quais chegou a nós pela pena de seu principal discípulo, Rabi Chaim Vital, são ideias profundas explicando temas relacionados à reencarnação. Na verdade, seu Shaar HaGilgulim, “Os Portões da Reencarnação”, é um livro devotado exclusivamente ao assunto, incluindo detalhes sobre as raízes da alma de muitas personalidades bíblicas e quem eles reencarnaram desde os tempos da Bíblia até o Ari.

Os ensinamentos do Ari e seus sistemas de ver o mundo se espalharam como fogo após sua morte em todo o mundo judaico da Europa e no Oriente Médio. Se a reencarnação tinha sido aceita em geral pelo povo judaico e pelos intelectuais anteriormente, tornou-se parte do tecido do Judaísmo e da erudição após o Ari, habitando o pensamentos e os escritos de grandes eruditos e líderes dos comentaristas clássicos sobre o Talmud (por exemplo, o Maharsha, Rabi Moshê Eidels) ao fundador do Movimento Chassídico, o Baal Shem Tov, bem como o líder do mundo não chassídico, o Gaon de Vilna. A tendência continua até hoje. Mesmo algumas das maiores autoridades que não são necessariamente conhecidas pela sua inclinação mística, assumem a reencarnação como uma doutrina básica aceita. Um dos textos que os místicos gostam de citar como uma alusão escritural ao princípio da reencarnação é o seguinte versículo no Livro de Iyov (Jó):

Veja, todas essas coisas que D’us realiza – duas, até três vezes com um homem – trazer sua alma de volta do poço para que possa ser iluminada com a luz dos vivos. (Jó 33:29) Em outras palavras, D’us permitirá que uma pessoa volte ao mundo “dos vivos” vinda do “poço” (que é um dos termos bíblicos clássicos para Gehinom ou Purgatório) uma segunda ou terceira vez (ou múltiplas) vezes. (Guehinom refere-se, geralmente, a uma experiência com tempo limitado (Edyos 2:10) na vida posterior, onde a alma é purgada de suas culpas num processo, depois que tudo foi feito e dito, descrito como doloroso, embora catártico. Num sentido mais profundo, a pessoa grosseira é recompensada na mesma moeda. Assim como agiu grosseiramente ao pecar, agindo como se D’us não estivesse presente, ele é pago tendo de passar pelo Guehinom, um local diferente do Céu, onde a presença de D’us de certa maneira está oculta, ou pelo menos não aberta e livre. (O nome Guehinom vem do vale ao sul de Jerusalém, conhecido como o vale [Guei] do filho de Hinnom, onde certa vez crianças foram sacrificadas a Molech (II Reis 23:10’; Yirm. 2:23; 7:31-32; 19:6). Por este motivo o vale foi considerado amaldiçoado, e Guehinom assim tornou-se um sinônimo para Purgatório.) Falando de maneira geral, no entanto, este versículo e outros são entendidos pelos místicos como meras alusões ao conceito da reencarnação. A verdadeira autoridade para o conceito está enraizada na tradição. [1]

II. Cremação, Uma proibição da Torá – Se alguém de nossa família deixa como pedido antes de sua morte para que seu corpo seja cremado, como devemos proceder? Cumprir sua vontade? O que o judaísmo fala sobre isto? … A cremação é proibida no Judaísmo porque a morte envolve mais que apenas um corpo. Trata-se da alma. Devido ao custo elevado do enterro — caixão, matseivá (lápide), terreno no cemitério, ou movidos simplesmente por um desejo pessoal — muitos judeus estão optando pela cremação. Qual a posição judaica? O Judaísmo permite apenas o enterro. A fonte para isso é a Torá, onde D’us diz a Adam: “Retornarás ao solo, pois foi do solo que foste feito” (Bereshit 3:19). O Judaísmo não somente proíbe expressamente a cremação, como insiste num enterro muito simples diretamente no chão.

Com a morte, a alma passa por uma dolorosa separação do corpo, que até então a tinha abrigado. Este processo de separação ocorre conforme vai ocorrendo a decomposição do corpo. Quando o corpo é enterrado, desintegra-se lentamente, fornecendo desta forma um conforto à alma que está se liberando do corpo. Esta decomposição é fundamental, e é por isso que a Lei Judaica proíbe embalsamar ou enterrar em um mausoléu, o que na verdade retardaria este processo fundamental de decomposição. Além disso, os judeus são sepultados em um caixão de madeira, que se deteriora mais rapidamente. Da mesma forma, a Lei Judaica decreta que o sepultamento seja feito o mais rápido possível depois da morte. (Em Israel, os funerais freqüentemente ocorrem no mesmo dia da morte).

Tudo isso é feito para o benefício da alma. Uma razão pela qual o Judaísmo proíbe a cremação é que a alma sofreria um grande choque, devido à súbita separação artificial do corpo. Como diz o Talmud: “O enterro não é para o bem dos vivos, mas sim para os mortos” (Sanhedrin 47a).

Ressurreição – A tradição judaica registra que com o enterro, um único osso na parte posterior do pescoço nunca se decompõe. É a partir deste osso — chamado osso luz — que o corpo humano será reconstruído na futura Era messiânica, quando todos os mortos serão ressuscitados. Com a cremação, aquele osso pode ser destruído, e o processo de ressurreição prejudicado. Na verdade, alguém que escolhe a cremação age como se não acreditasse na ressurreição. A ressurreição é uma crença fundamental do Judaísmo, como foi expresso na obra clássica de Maimônides em seus Treze Princípios da Fé: “Creio com plena fé na Ressurreição dos Mortos, que ocorrerá quando for a vontade do Criador.”

III. Maimônides: Os Treze Princípios da Fé Judaica – Os Treze Princípios de Fé Judaica de Maimônides são uma das declarações mais claras e concisas da crença judaica. São, de fato, sua pedra fundamental. Maimônides foi o maior codificador e filósofo na História Judaica. Também conhecido como Rambam (Rabenu Moshe ben Maimon), Maimônides estudou a totalidade da literatura judaica sagrada e codificou os princípios do judaísmo. O Povo Judeu aceitou esses princípios como a crença clara e inequívoca do judaísmo. Nosso propósito aqui é apresentar e discutir brevemente cada um dos Treze Princípios de Fé de Maimônides. Esses treze enunciados são a essência da crença judaica.

Ao estudá-los, aprendemos sobre o que torna único o judaísmo: aquilo no que nós, judeus, cremos; por que cremos no que cremos; e porque não é possível para o Povo Judeu adotar as crenças e práticas de outras religiões. …

Décimo-terceiro Princípio: “Creio com plena fé na Ressurreição dos Mortos que ocorrerá quando for do agrado do Criador”. O Décimo-terceiro Princípio envolve a ressurreição dos mortos. A importância desse conceito é nos ensinar que na Era Messiânica D’us aperfeiçoará o mundo, mesmo retroativamente. Além de ninguém morrer, mesmo os já falecidos voltarão à vida. A ressurreição dos mortos é um dos fundamentos do judaísmo. O Décimo-terceiro Princípio nos ensina que apesar do histórico de guerras e sofrimento do mundo, tudo terminará com um final feliz. D’us recompensará os justos do mundo, judeus ou não, com uma recompensa eterna. [3]

Fontes: [1] Chabad: http://www.chabad.org.br/biblioteca/artigos/reencarnacao/home.html
[2] Chabad: http://www.chabad.org.br/interativo/FAQ/cremacao.html
[3] Morasha, Edição 88 – Junho de 2015: http://www.morasha.com.br/leis-costumes-e-tradicoes/maimonides-os-treze-principios-da-fe-judaica.html
Coordenador: Saul Stuart Gefter 09 de Tamuz de 5779 – 12 de Julho de 2019

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