PANDEMIA – COMO A TRADUÇÃO JUDAICA VÊ O MOMENTO ATUAL ( 5781) – Estudo para 22 de janeiro de 2021 – 09 de Shevat de 5781

I. Introdução – Torá, Zohar e cabala são legados da cultura judaica e o seu alicerce desde a época de Moisés. Como esse conhecimento milenar pode trazer luz a este momento de isolamento social, angústias e dúvidas sobre o futuro? O TEMPO entrevistou com exclusividade Sandra Strauss, formada em biotecnologia pelo Centro Tecnológico Nesher, em Israel, e professora de cabala e meditação no Centro de Cultura Midrash, no Rio de Janeiro.
A Torá, nome dado aos cinco primeiros livros da Bíblia hebraica, não é uma obra profética, pois vê o poder de escolha nas ações humanas. “Quando D-us cria o homem, Ele dá a ele a consciência, aquilo que o difere dos animais, uma alma, que chamamos ‘neshama’, alusão ao arquétipo de Adão, Ele nos dá o livre-arbítrio. Por essa razão, a Torá enxerga tudo o que acontece como escolha do ser humano. Assim é com a pandemia”, diz Sandra.

O judaísmo encontra no Zohar respostas para os muitos questionamentos humanos. “Ele é um texto que interpreta as entrelinhas da Torá. A Torá é uma matriz energética, um bloco de letras que, além de narrar a história de um povo que viveu há milênios, é um texto vivo dentro da gente. A Torá é a parte cognitiva, de análise de texto, e o Zohar é a parte energética da Torá, que prevê a era messiânica que se correlaciona com a era de Aquário”, explica a professora.

Segundo ela, “a era messiânica não é um evento diferente nem um local geográfico, tampouco outra dimensão, e não contempla a vinda de um Messias que vem salvar o mundo, mas sim uma geração de pessoas que vibram na mesma frequência energética: receber para compartilhar. Na era messiânica, a humanidade vai, de fato, se responsabilizar pelo outro”.

Trata-se de um fluxo energético. “Costumo dizer que, se D-us não tivesse nos dado a Torá, nós teríamos um único mandamento, que é ‘amarás ao próximo como a ti mesmo’. E isso nos coloca nessa condição de fluxo vital, que é receber para compartilhar. O Zohar fala que, quando tivermos uma massa crítica de 600 mil pessoas vibrando em uma mesma frequência, estaremos realizando o ‘tikunolam’, a reparação do mundo para adentrarmos na era messiânica”, observa Sandra.

De acordo com a professora, “os antigos cabalistas decodificaram nas entrelinhas dos textos judaicos uma profecia que prevê que até o ano 6000 do calendário judaico, 2239 do nosso calendário, a humanidade deverá fazer o ‘tikun olam’, caso contrário nossa espécie não terá continuidade”.

Segundo a cabala, pensamento místico judaico, há lições a serem aprendidas com a pandemia. “Não devemos pensar que o que está acontecendo é azar, mas sorte, pois nossa geração será agente de transformação dessa consciência de que existe o outro, de que não vivemos isolados. As últimas três letras do alfabeto hebraico, resh, shin e tav, formam a palavra ‘reshet’, que significa ‘rede’, algo que não enxergamos porque nossa percepção é limitada. Usamos nosso cérebro em sua totalidade, mas nossa percepção limitada nos impede de ver que o outro faz parte da gente”, comenta a professora.

E essa nova realidade já vem acontecendo, não há como retroceder. “Não tem mais a vida sem o outro. Não vai mais existir esse egocentralismo, e já podemos ver isso nas tendências de comportamento, por meio do Uber, o uso de carros compartilhados, do Airbnb. Já ingressamos na era do compartilhamento”, diz Sandra.

O shabat, dia de descanso para os judeus, contempla a ideia de que tudo é cíclico e que é preciso uma pausa. Pergunto se este período de isolamento coletivo não seria a pausa necessária para o ser humano e o planeta. “Para os judeus, Deus trabalhou seis dias, criou tudo o que é físico e metafísico para no sétimo dia pausar e contemplar sua criação. Muitos povos se perguntam por que os judeus prosperam se eles têm 70 dias de pausa no ano, incluindo o shabat, o mês de férias e os dias festivos.Porque a pausa faz parte do movimento da vida. O coração, entre a sístole e a diástole, entre a contração e a expansão, tem uma leve pausa”, analisa Sandra.

Para ela, se antes do comportamento reativo o homem se permitisse uma pausa, com certeza faria escolhas mais assertivas, que o levariam a um comportamento proativo. “Se pausássemos antes de falar, provavelmente, teríamos uma reflexão se nossa fala está de acordo com o nosso pensamento. Se pausássemos antes de fazer algo, teríamos a certeza de que o que foi feito está de acordo com o que se sente. Nossa unidade é restaurada quando nosso sistema de crenças influencia nosso pensamento, que, por sua vez, influencia nossos sentimentos. Dessa forma, minhas falas e ações estão em acordo com essa unidade. São assertivas e proativas”.

A pausa é importantíssima, assim como o isolamento social. “Se neste momento estamos vivendo uma pausa coletiva, ela pode ser entendida como o shabat, o jubileu ou o ano sabático. A cada sete anos a terra tem que descansar, e agora estamos vendo o resultado desse descanso. Acho que as pessoas deveriam fazer uma semana de pausa, como os rodízios de carro em São Paulo. Uns ficam em casa, e outros saem para trabalhar”, propõe a professora. Este período de afastamento social, angústia e mais perguntas do que respostas seria uma chance de a humanidade mudar sua consciência para um patamar de mais fraternidade e tolerância?“Só tem essa forma.

Não podemos mais viver conectados ao nosso ego, nosso desejo pessoal, nossa energia yang, que é o masculino, focado e individualista. Teremos que trazer a energia do feminino à tona. Ela é aquela que acolhe e cuida. Esta é a grande prova: elevar a energia do feminino, senão nossa espécie vai acabar”, analisa Sandra. A professora ressalta que o padrão masculino tem sido determinante. “Vemos que 99% dos líderes e políticos são homens. Não tem problema eles serem homens, contanto que tenham a energia do cuidar, do coletivo, do olhar para o próximo, que são características do feminino”, diz.

Sandra acredita que “a sociedade precisa realizar o amor, a generosidade, a honestidade e o olhar para o próximo. Quando essa pandemia terminar, viveremos anos de muitas incertezas. A humanidade vai precisar ancorar e sustentar uma força maior no coletivo para podermos superar tudo isso”, finaliza. … [1]

II. “O imperativo judaico para o mundo pós-corona”
O vírus COVID-19 criou uma crise global sem precedentes. Centenas de milhares de pessoas morreram, milhões ficaram doentes e bilhões isolados em quarentena. Os sistemas de saúde foram sobrecarregados, os sistemas econômicos foram abalados e muitos países estão enfrentando um teste do tipo que não encontravam desde 1945. Há muitas semanas, a pandemia de coronavírus interrompeu nossa civilização. A vida parece ter parado. Toda a humanidade se viu enfrentando uma ameaça comum à vida como a conhecemos. Mas, mesmo que a primavera traga esperançosos sinais de subsistência, a humanidade enfrenta um enorme desafio. À medida que governos em todo o mundo começam a diminuir as restrições, e a vida retoma o retorno gradual à normalidade, fica evidente que o coronavírus mudou cada um de nós, criando uma nova realidade histórica.

O povo judeu mais uma vez se viu na vanguarda da luta contra uma calamidade mundial. A cidade de Nova York foi uma grande vítima da pandemia – e algumas de suas comunidades judaicas foram especialmente atingidas. Londres também sofreu muito – e em algumas de suas comunidades judaicas o número de casos foi especialmente alto. O mesmo acontece em outras grandes cidades europeias, entre as quais Paris, Roma, Amsterdã, Antuérpia e Moscou. De Borough Park a Golders Green, de Williamsburg a Stamford Hill, as comunidades judaicas estão sofrendo perdas, pânico, dificuldades e dores. Mas essas mesmas comunidades estão demonstrando coragem e coesão excepcionais. O momento difícil também nos faz despertar. No momento em que a escuridão parece estar descendo sobre o mundo, as pessoas acendem as velas encorajadoras da dedicação, determinação e amor. Agora, devemos levantar os olhos e olhar para o amanhã.

À medida que a pandemia atinge o pico e começa a diminuir – com a devastação resultante exposta -, precisamos entender suas implicações para o futuro próximo do povo judeu. Nos próximos meses, o mundo judaico terá que enfrentar o mesmo desafio que todas as nações enfrentam: como salvaguardar nossas vidas e bem-estar, ao renovarmos a atividade comercial e econômica. Para encontrar o equilíbrio certo entre a vida à sombra do coronavírus, devemos demonstrar prudência e engenhosidade, autodisciplina e criatividade. Ao mesmo tempo, teremos que encontrar novas maneiras de conduzir nossa vida comunitária e a educação de nossos filhos. O distanciamento social que todos fomos compelidos a empreender deve tornar-se uma ferramenta de construção da comunidade e vínculo social. Devemos garantir que a vida judaica não seja debilitada, mas, sim, fortalecida.

O segundo desafio é a solidariedade. Como toda família, a família extensa do povo judeu é testada em tempos de crise. Por um lado, uma enorme pressão externa exacerba as tensões internas, muitas vezes aumentando as divisões que podem cair em conflitos fraternos. Por outro lado, hoje mais do que nunca, é claro o quão dependentes somos um do outro.

E é duplamente claro que devemos superar o que nos divide, redescobrir o que nos une – e, acima de tudo, apoiar um ao outro. O vírus não diferencia entre judeus Haredi e Reformistas. A implosão econômica afeta tanto os liberais quanto os conservadores. E o imperativo de nutrir uma comunidade judaica forte e unificada cresce exponencialmente diante dos perigos que nos cercam. Agora é a hora da unidade, da harmonia, para um renascimento da solidariedade judaica.

O terceiro desafio é o antissemitismo. Nos últimos anos, testemunhamos um novo surto de uma das pragas mais antigas e odiosas que o mundo já conheceu: o ódio aos judeus. Agora a situação está se deteriorando ainda mais. Hoje, há quem culpe os judeus pela disseminação do coronavírus, e haverá quem culpe os judeus pela grave crise econômica. Como no passado, agora no presente: uma epidemia biológica fatal está gerando uma torrente viciosa de antissemitismo, colocando em risco a vida dos judeus. Nesta frente, não há absolutamente nenhum espaço para outra ação que não seja a de união. Devemos permanecer unidos contra aqueles que tentam nos destruir. Nós devemos proteger todo judeu e toda comunidade judaica que estiver sob ataque. Portanto, devemos implantar o único remédio que pode erradicar o vírus do antissemitismo: força, força e mais força. Somente mantendo-nos unidos e resolutos, podemos conter o ressurgimento do ódio que ameaça nos engolir.

O quarto desafio é o Estado de Israel. Nos últimos meses, Israel enfrentou a pandemia de coronavírus de maneira notável. O país identificou a ameaça mais cedo do que a maioria, adotando medidas rigorosas e reforçando seu sistema de saúde (que recebeu elogios internacionais). Os israelenses mais uma vez provaram que são fortes e resistentes, capazes de enfrentar a crise como uma nação. Mas a pandemia também criou uma certa tensão entre o estado judeu e os judeus na diáspora. Muitos se sentiram frustrados porque, durante as horas de necessidade, foram proibidos de viajar para o estado que consideravam seu segundo lar. Outros achavam que Israel poderia ter feito mais para ajudar comunidades em crise. A diferença entre estancar a propagação do vírus em Jewish Tel Aviv e sucumbir ao vírus em Jewish New York (Jewish London e Jewish Antwerp) aumentou.

Para enfrentar os dramáticos desafios de 2020, o mundo judaico deve se preparar e se organizar de novo. Primeira necessidade urgente: uma iniciativa ambiciosa para levar ajuda médica israelense e outras às comunidades judaicas devastadas pelo coronavírus. Segundo: uma abordagem global para travar uma guerra contra o antissemitismo onde quer que ele levante sua cabeça feia. Também são necessárias medidas coordenadas para que as comunidades judaicas que escaparam do pior da pandemia possam ajudar aqueles que sofrem de doenças e das consequentes perdas econômicas. Por último, mas não menos importante, a ação intensiva em todas as comunidades, para que os afortunados entre nós possam apoiar aqueles que não tiveram a mesma sorte. Mas, acima de tudo, precisamos renovar a crença de um por todos e todos por um. Devemos abraçar nosso antigo senso de responsabilidade mútua e amor a Israel. No mundo pós-coronavírus, a globalização diminuirá e o nacionalismo crescerá. Assim, devemos agir agora, fomentando o espírito judaico de nação iluminada, generosa, humanística e democrática. E devemos nos preparar para enfrentar tudo o que ainda está por vir com coragem e determinação – como uma família unida.

Ronald S. Lauder é presidente do Congresso Judaico Mundial desde 2007. Anteriormente, atuou como presidente do Fundo Nacional Judaico e da Conferência dos Presidentes das Principais Organizações Judaicas Americanas [2]

Fontes: [1] Super Noticias: https://www.otempo.com.br/super-noticia/%C3%BAltimas/como-a-tradicao-judaica-ve-o-momento-atual-1.2330093
[2] CONIB, 24 de abril de 2020: https://www.conib.org.br/o-imperativo-judaico-para-o-mundo-pos-corona/
Coordenador: Saul Stuart Gefter 09 de Shevat de 5781 – 22 de janeiro de 2021

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *