O CASAMENTO JUDAICO (Parte 2, 5779) – Estudo de 05 de abril de 2019 – 29 de Adar II de 5779

I. Introdução – A Torá nos ensina que os casamentos são ‘combinados’ nos Céus. Diz o Talmud (no tratado Sotá 2a): ‘Quarenta dias antes da concepção é decretado nos Céus que a filha desta pessoa está prometida ao filho daquela outra’. Segundo o Zohar, o casamento é a união de duas metades de almas que foram colocadas em corpos separados quando a alma desceu à terra. Nos planos Divinos essas “almas gêmeas” vão ser reunidas através do casamento. Mas não podemos esquecer do livre arbítrio. Por isso, apesar de D’us estar envolvido na predestinação de cada par, a decisão final cabe ao indivíduo, já que cada um de nós pode interferir em seu próprio destino.

O próprio Todo-Poderoso, ao criar o homem, percebeu a necessidade deste ter um companheiro fiel que o acompanhasse ao longo da vida. “E disse o Eterno : “Não é bom que o homem esteja só” ( Gênese 2:18). E D’us criou Eva a partir da costela de Adão, assim ordenando: “E é por isso que o homem deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne” (Gênese 2:24). Nossos sábios ensinam que Adão estava só porque não havia alguém a quem ele pudesse se “dar”. Com a criação de Eva, as coisas mudaram. Alguém precisava dele e de seu amor, assim como ele precisava do dela. A palavra hebraica para amor – ahavá – vem da raiz hav, que significa dar, o que já indica quão importante é saber “doar-se” ao “bechirat libó”, o eleito de seu coração.

O casamento não é uma instituição criada pelos homens, mas sim um mandamento divino. O homem e a mulher foram criados como uma entidade única, por isso seu estado natural é a união e, ao se unirem, realizam plenamente “a imagem de D’us”. A Torá afirma: “D’us criou o homem à sua imagem. Na imagem de D’us, Ele os criou, homem e mulher. Ele os criou e os abençoou e lhes disse: “Sejam fecundos, multipliquem-se” (Gênese 1:27). Em uma primeira análise, o Shir Hashirim, Cântico dos Cânticos, um dos mais belos livros da Bíblia, de autoria do rei Salomão, parece ser uma canção de amor entre um homem e uma mulher. Nossos sábios ensinam que, ao ser analisada mais cuidadosamente, a obra pode ser considerada uma alegoria do amor entre D’us e o povo de Israel.

O fato de o rei Salomão ter utilizado o amor entre homem e mulher como alegoria mostra o quão poderoso e sagrado deve ser o amor – pois sagrada e indissolúvel é a união entre D´us e Israel. A união e o amor entre os cônjuges são descritos com insistência nas biografias dos patriarcas (Abrahão e Sara, Isaac e Rebeca, Jacó e Lea e, mais tarde, Jacó e Raquel.

Estes dois últimos vivem uma das mais bonitas histórias de amor em toda a literatura, uma relação repleta de devoção e ternura. Com Isaac e Rebeca o texto bíblico relata o primeiro casamento conhecido na história da humanidade. Descreve Rebeca entrando na tenda de Sara, a falecida mãe de seu futuro marido. O Midrash indica que os milagres que se realizavam através de Sara e que haviam cessado com a sua morte, reaparecem através de Rebeca.

O matrimônio – O matrimônio recebe o nome hebraico de kidushin (consagração, santificação ou dedicação), pois o casamento é uma ocasião sagrada no judaísmo. É um mandamento divino, a criação de um laço sagrado. O casamento entre dois judeus é visto como o início de uma nova vida para ambos. O casal passa a ter uma relação exclusiva, e isto implica em uma dedicação total entre o noivo e a noiva para que possam tornar-se o que a Cabalá descreve como “uma única alma em dois corpos diferentes”.

O Talmud, ao ser redigido, codificou os hábitos que haviam sido estabelecidos ao longo das gerações. A lei talmúdica estabelece que quando um homem e uma mulher decidem casar-se, ele precisa dizer-lhe que ela passa a ser sua esposa. Ela, por sua vez, deve aceitar de livre e espontânea vontade. Tal ato deve ser realizado diante de duas testemunhas válidas, mediante uma das formas aceitas pelo judaísmo para se contrair matrimônio, entre as quais, a entrega simbólica de uma soma em dinheiro, uma garantia escrita ou através do Kidushei Biá, ou Matrimônio por Cohabitação.

Neste último caso, a cerimônia terminava com a mulher entrando na tenda do marido, ato que marcava o início de uma vida em comum. As duas últimas formas de contratar casamento não são mais usadas. Na época talmúdica o casamento era feito em duas etapas. A primeira era a promessa ou “noivado” – em hebraico, erussin ou kidushin. Era de fato um compromisso moral, que podia ser revogado por uma das partes. Possuía praticamente a validade do matrimônio, mas não concedia direitos aos envolvidos. Era também chamado de kidushin (consagração ou dedicação) pois era, de fato, quando a noiva era “prometida” ao noivo.

No ato do noivado, o homem entregava à futura esposa um presente cujo valor devia ser maior do que uma moeda. A partir do século VII o presente foi substituído por um anel sem pedras preciosas. Este era colocado pelo noivo no dedo indicador direito da noiva, depois da prece recitada por um oficiante, dizendo: “Harei at mekudeshet li, betabaat zu kedat Moshe ve-Israel” (Eis que me és consagrada por esse anel, segundo a lei de Moisés e Israel). Ao colocar o anel no dedo da noiva, o rapaz efetivava seu vínculo com ela. Algum tempo após o noivado, a cerimônia de casamento, propriamente dita, em hebraico nissuin, era oficiada sob a chupá, na presença de duas testemunhas competentes com a recitação das sete bênçãos tradicionais – Sheva Brachot.

A cerimônia era realizada sob a chupá, o pálio nupcial, simbolizando o lar do novo casal e “cobrindo” ou protegendo-o nesta fase abençoada e sagrada de sua vida. Este “lar” simbólico, a chupá, é o que permite que a cerimônia seja realizada em qualquer lugar. Desde o século XVI, as duas etapas do matrimônio – erussin / kidushin e o nissuin – são realizadas sucessivamente, durante a celebração do casamento, como conhecemos hoje, apesar de continuarem sendo dois atos distintos. A ketubá, o contrato de casamento, é mencionado ou lido entre as duas etapas da cerimônia.

A cerimônia – A primeira parte do casamento judaico – o kidushin – inicia-se com uma bênção sobre um copo de vinho. É uma bênção de agradecimento e louvor ao Criador, que proporcionou a santidade do matrimônio.
E ao pronunciá-la, atrai-se as bençãos Divinas sobre essa união. Tanto o noivo como a noiva bebem deste vinho. Todas as bênçãos durante o casamento são feitas sobre o vinho, pois este simboliza a vida. A entrega da aliança pelo noivo e a sua aceitação pela noiva constitui o ato central do kidushin, efetivando o vínculo entre os dois. O noivo recita a frase que legitima o casamento – “Com este anel te consagro a mim, conforme a lei de Moisés e de Israel”, que vimos acima, em hebraico. Em seguida, diante de duas testemunhas, coloca uma simples aliança de ouro no dedo indicador direito da noiva. Depois é feita a leitura ou menção da ketubá, conforme os hábitos de cada comunidade. O próximo passo da cerimônia é Nissuin, quando são novamente recitadas as sete bênçãos sobre um cálice de vinho, enaltecendo e agradecendo a D’us por Suas obras: a criação do ser humano e por ter criado o homem como uma criatura composta de duas partes – homem e mulher. Abençoa-se o casal para que juntos possam ter alegrias, assim como o tiveram Adão e Eva no Jardim do Éden. As berachot santificam os noivos para que o amor entre eles seja tão permanente e indestrutível quanto o amor de D’us para com Israel. Após as bênçãos, o noivo e, em seguida, a noiva, bebem outro cálice de vinho.

Na conclusão da cerimônia é costume o noivo quebrar um copo envolto em um pano. Este gesto serve para recordar a destruição do Templo de Israel. Em algumas comunidades é também interpretado como um sinal de bom augúrio. É o momento em que a solenidade e santidade do ato parecem aliviadas, com as manifestações dos presentes, alegremente fazendo votos de mazaltov , e que descontrai a natural tensão dos noivos, ao chegar o tão ansiado momento de consolidarem o seu amor, “consagrando-se um ao outro” diante de D´us e de sua comunidade.

Ketubá – A ketubá é um contrato matrimonial que confirma legalmente o casamento e especifica as responsabilidades do marido pela esposa. Foi idealizada há mais de 2500 anos por nossos sábios para, através de uma legislação específica, proteger a mulher e seus direitos em uma época na qual ela era considerada, entre outros povos, “propriedade do marido”, ou “um ser sem direitos”. Na ketubá podem ser encontradas dez prescrições da Halachá. Três estão escritas na Torá: o marido deve alimentar sua mulher, vesti-la e unir-se a ela conjugalmente. As outras dizem que ele tem o dever de tratar sua mulher quando ela estiver doente, comprá-la de seus seqüestradores se mantida em cativeiro, enterrá-la se vier a morrer, dar-lhe uma moradia decente, assegurar sua subsistência, assim como de suas filhas, e se o marido vier a morrer, ter previsto uma reserva para seu futuro. São citadas algumas obrigações específicas entre os esposos e seus pais, assim como a soma que ele deve dar à sua mulher em caso de divórcio. A mulher deve guardar este documento por toda a vida. Antigamente existia uma verdadeira arte em torno da confecção de uma ketubá e famílias mais abastadas usavam documentos belíssimos, com lindas ilustrações e bênçãos. Foram assim conservadas ketubot magníficas, de grande valor artístico, que hoje são peças de museus. ” Eu te consagro a Mim para sempre. Eu te consagro a Mim em misericórdia e em julgamento, e em amor, e em retidão. Eu te consagro a Mim em fidelidade, e tu conhecerás D´us” (Oséias 2:21-22)
Sete expressões de noivado entre D´us -o noivo e Israel -a noiva (Ela):
“Noite após noite, busquei aquele que minha alma adora!…” “O seu falar é cheio de meiguice e tudo nele me deslumbra e encanta! Exatamente assim é meu amado e meu amigo…”
“Eu pertenço ao meu amado e meu amado é meu!”…
(Ele): “Ó, como és bela, amiga minha, e como és mimosa!…És toda bela, amiga minha, e em ti mancha nenhuma existe…Esposa minha e minha irmã, roubaste, sim, meu coração, apenas com um de teus olhares…” “Quem é esta que surge como a aurora, tão bela como a lua e tão brilhante como o sol ?…” “Ó, como és bela, como és graciosa, minha amada, delícia de minha alma!…”
Do Cântico dos Cânticos, Shir Hashirim, do Rei Salomão [1]

II. … Familia – Tratamento da Esposa – A vida familiar dos judeus sempre foi exaltada no mundo por três motivos: pelas características de solidariedade de que se reveste, pelos afetivos e calorosos laços que unem os membros da família e pelo alto nível de sua moralidade. A preocupação da religião judaica com o estabelecimento a família pode ser observada no fato de que o Talmud dedica cinco tratados a opiniões e regulamentações dos sábios rabínicos sobre as relações entre marido e mulher. Seu objetivo principal era o de assegurar uma felicidade conjugal duradoura. Tinham, porém, outras finalidades, tão prementes quanto.

Uma era a melhoria do bem comum. “A felicidade do lar se propaga para o mundo exterior… Aquele que estabelece a paz em sua própria família é como se a estivesse estabelecendo para todo Israel” declaravam os sábios, acrescentando que a felicidade e a paz familiares só poderiam ser alcançadas por um meio: pelo poder do amor entre marido e mulher. Antecipando-se ao pensamento dos modernos psicólogos infantis a respeito do assunto, os educadores rabínicos, há 18 séculos, estabeleceram como princípio fundamental para a felicidade familiar: “Aquele que ama a sua esposa como a si mesmo e a honra mais do que a si mesmo, orientará a seus filhos no caminho certo”.

E como os conselheiros matrimoniais de hoje, eles perceberam que em lares em dissidência pelas discórdias entre os pais, os filhos sofrem danos psíquicos irreparáveis. O Talmud advertia: “A discórdia no lar é como a podridão da fruta. Um lar em que impera a discórdia será desfeito”.

Recapitulando essa tradição talmúdica, a obra cabalística medieval Zohar apresentava uma fórmula definitiva para se conseguir a paz familiar: “A esposa que recebe amor de seu marido dá-lhe amor em troca. E se ele lhe dá ódio – ela lhe devolve ódio.” Consequentemente, no dar e receber da união marital, o marido e a esposa eram com parados pelos rabinos a duas velas, uma sendo acesa pela chama da outra: Por essa razão, exortava Hai Gaon (na. 1038), o último dos brilhantes acadêmicos rabinos do judaísmo da Babilônia: “Ama por toda a vida a amada de tua juventude, e implanta teu amor por ela bem fundo no coração.” Como muitos dos mestres religiosos do povo judeu fossem realistas sóbrios, eles demonstravam uma solicitude piedosa para com a esposa em sua situação de inferioridade social e relativa privação de direitos num mundo de homens.

A despeito do fato de que os maridos judeus geralmente tratavam as esposas com maior humanidade e suavidade do que os não judeus da mesma época, os rabinos dirigiam os ensinamentos e as admoestações de fundo moral principalmente para os maridos, e não para as esposas. Alguns dos princípios morais fundamentais e as regras básicas elaboradas pelos Sábios estabeleceram o padrão clássico da conduta marital judaica seguido há quase dois mil anos

Os Sábios dos tempos do helenismo acentuavam que era do máximo interesse dos maridos tratarem com justiça e gentileza as esposas. “Se um homem é feliz, é por causa de sua esposa. Todas as bênçãos que caem sobre seu lar derivam dela.” Numa época que foi caracterizada, entre os não judeus, por um grande cinismo e desrespeito pelas mulheres, o Rabi Eliezer de Mogúncia (m. 1357) insistia: “As esposas devem respeitar os maridos e sempre ser amáveis com eles. De sua parte, os maridos devem honrar as suas esposas mais do que a si próprios. Devem tratá-las com ternura e consideração.” Agir de outra forma, nas palavras do enciclopédico sábio humanista, o Rabi Iehudá Ibn Tibon (século XII, Provença), “é a forma usada por homens desprezíveis”. O marido recebia, repetidamente, admoestações contra o exercício de uma autoridade severa demais sobre a sua esposa. E a crueldade, mesmo que só verbal, era estritamente proibida.

O Talmud adverte: “Cuida-te quando fazes uma Mulher chorar, pois D-us conta as suas lágrimas. A Mulher foi feita da costela do Homem, não dos pés para ser pisada, nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual, debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para ser amada”. (Baba Metzia 59)

O cuidado carinhoso que a maioria dos maridos judeus tinha pelas esposas reflete se na rigorosa proibição rabínica do castigo corporal aplicado à mulher. Isto na mesma época em que, entre os cristãos e os muçulmanos, a agressão periódica à esposa era encarada como corretivo bastante respeitável e uma prática legítima do chefe da casa, que lhe permitia manter a autoridade indiscutível.

O Rabi Meir de Rothenburg (Renânia, c. 1215 – 2 de Maio 1293) foi um alemão rabino e poeta , autor principal das Tosafot ao comentário de Rashi sobre o Talmud. Ele também é conhecido como Meir ben Baruch, o Maharam de Rothenburg. Ele não escreveu uma única grande obra, mas muitas notas, comentários, exposições, e poemas – bem como 1.500 responsa. 1220-93) apenas repetia um fato bem conhecido na época ao observar: “Os judeus não seguem o costume em voga de bater nas esposas.” O sábio e autoridade rabínica da Babilônia do século X, Saadia Gaon75, era de opinião que “o homem não deve ter desejo sexual a não ser por sua esposa, para que ele a ame e ela a ele”. O amor no casamento tinha para o judeu devoto o caráter de um sacramento, pois o objetivo religioso-social de constituir uma família perpetuaria o povo de Israel, cumprindo a vontade de D-us. A coabitação era não só um direito do marido como também um dever religioso em relação ao qual, com todas as sanções rabínicas, a esposa tinha privilégios iguais aos do marido. [2]

Fontes: [1] Morasha, , Edição 73, Setembro de 2011: http://www.morasha.com.br/sabedoria-judaica/amor-e-casamento-segundo-o-judaismo.html
[2] Jane Bichmacher de Glasman,”Amor, Sexo e Casamento no Judaismo”: http://www.neauerj.com/Nearco/arquivos/numero8/4.pdf
Coordenador: Saul Stuart Gefter 29 de Adar II de 5779 – 05 de abril de 2019

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