A MISHNA, GEMARA, TALMUD E MIDRASH (5780)- Estudo para 31 de janeiro de 2020 – 05 de Shevat de 5780

I. O que é Mishna? Gemara? Talmud? Midrash? Quem estuda Judaismo com certeza já  se deparou com alguns destes nomes, mas… o que eles significam? O que ensinam? Como sao estudados? São de acesso publico? …

Introdução – Alem da Lei Escrita, que eh a nossa Torah, tambem recebemos a Lei Oral, que era passada de geração a geração, de professores para alunos. Moshe Rabeinu (Nosso Professor) recebeu a Lei Oral e a ensinou a Yehoshua ben Num (Josue’), que a ensinou aos Zekenin (ancioes), que a ensinou aos Neviim (profetas) que viveram desde o tempo dos reis de Israel ateh a destruição do Primeiro Templo. Os Neviim passaram a Lei Oral aos Homens da Grande Assembleia (um conjunto de 120 Sábios que guiaram o povo durante o exilio babilonio). Depois da era dos Homens da Grande Assembleia, coube aos Zugot, que eram Grandes Sabios que tinham a responsabilidade de guiar o povo e eram os lideres do Sanhedrim, transmitir, ensinar e estudar a Lei Oral.

O primeiro membro dos Zugot era chamado de Nasi (Nasi traduz como Principe, bom… o Nasi seria o “presidente” do povo judeu, mais ou menos…), que tinha por responsabilidade de dirigir o povo e demonstrar principios de responsabilidade, harmonia, amor e paz.

O segundo dos Zugot era chamado de Av Bet Din (o cabeca da Corte da Lei Judaica), pois este auxiliava aos Sabios do Sanhedrim em suas discussoes para que chegassem a uma decisao correta. Por 250 anos, 5 pares de Zugot lideraram o povo judeu e o Sanhedrim. Os ultimos Zugot foram Hilel e Shamai. Hilel foi Nasi e Shamai, o Av Bet Din. (curiosidade: Hilel era um descendente do Rei Davi). Como todos sabemos, os estudantes de Hilel e Shamai tinham discussoes acirradas sobre a Lei Oral que extremamente importantes para o desenvolvimento da vida judaica e adaptacao aos novos tempos.

Os Sábios da época admitiram que todas as opiniões mereciam o mesmo nivel de respeito, então para que nada fosse perdido, muitos estudantes das duas escolas de pensamento comecaram a decorar todas as discussões (não era uma missao facil, eles tinham que repetir os ensinamentos durante o dia inteiro). Com todo este tempo, a Lei Oral se desenvolveu bastante (esta era a grande vantagem da Lei Oral, pois tinha a liberdade de crescer de acordo com as necessidades de cada geração). Depois da morte de Hilel e Shamaim, os ultimos Zugot, surgiram os Tannaim. Tanna = repetidor Tannain = repetidores Mesmo sendo muito sabios, os Tannain eram treinados a repetir os trechos da Lei Oral que lhes eram designados. O periodo dos Tannain durou por 5 geracoes.

Mishna – A cada geração, havia experts em diferentes áreas da Lei Oral. Por exemplo, um professor era perido nas leis de Shabbat, outro, em leis de agricultura, outro em leis civis etc.

Em resumo, eles eram os responsáveis por passar de maneira completa todas as tradições recebidas por Moises. Esta fórmula de manutenção da Lei Oral funcionou muito bem enquanto o Sanhedrin existiu e a corrente de transmissão da lei nao sofria riscos de extinção, ou seja, os professores tinham plena liberdade de passar seu conhecimento as novas gerações de alunos. Porém, com a destruição do Segundo Templo, a derrota de Bar Kochba, o eminente risco de extinção do Sanhedrin e a perseguição romana que levou a diaspora, ficou muito claro para todos que o povo Judeu ficaria por muito tempo no exílio. Assim sendo, o sistema de aprendizado baseado em transmissão oral ficou seriamente ameaçado.

Vendo estes desafios, o Rabino Yehudah HaNasi (Yehuda, o Príncipe, que era descendente de Hilel) percebeu que a situação representava grande risco a Lei Oral… ele viu que o Templo nao seria reconstruido em sua geração e possivelmente em varias gerações futuras e em meio ao caos criado pela ocupação romana, ele decidiu que a hora de escrever a Lei Oral tinha chegado. Embora alguns rabinos de gerações anteriores mantivessem anotações escritas que resumiam parcialmente a Lei Oral, tais anotações eram mantidas para uso privado, em suas academias ou salas de estudo. Estas anotações nao estavam organizadas e nem sempre demonstravam as varias opiniões da halacha (pode haver mais de uma resposta para uma questao halachica). Coube então ao Rabino Yehuda HaNasi a missão monumental de juntar, editar, explicar e organizar o vasto material. O resultado final desta versão escrita e organizada da Lei Oral foi chamada de MISHNA.

A palavra Mishna (vinda da palavra Hebraica ‘shanah’) significa “repetição” porque enquanto de forma oral, os estudantes tinham que repeti-la (era a missão de vida deles, repetir, repetir, repetir) para que o conhecimento fosse passado de maneira adequada.

Maimonides nos explica em seu livro Mishne Torah: “Ele juntou todas as tradições, promulgações, interpretações e exposições de toda opinião da Torah, seja as que vieram diretamente de Moises, nosso professor, ou que tinham sido deduzidas pelas cortes (rabínicas) de várias gerações. Todo este material ele usou para redigir a Mishnah, que era diligentemente ensinada em público, e desta maneira, se tornou universalmente conhecida entre o povo judeu.

Copias deste trabalho foram feitas e espalhadas, para que a Lei Oral não fosse esquecida em Israel”. A Mishna foi escrita em Hebraico antigo (clássico). Seu texto eh extremamente conciso (resumido), como se fossem anotações pequenas de uma informação muito maior que necessita da explicação de um professor qualificado. Ler a Mishna eh mais ou menos como ler a “ponta do iceberg” do que seria realmente a Lei Oral. O propósito de redigir a Mishna de uma maneira tão resumida, foi para que o laco que unem professores e alunos jamais se rompesse.

A Mishnah foi dividida em 6 segmentos básicos, ou “ordens”. Depois, ela foi dividida em 63 tratados com um total de 525 capítulos. Cada um dos 6 segmentos eh nomeado de acordo com áreas básicas da lei Judaica:
Zeraim, “sementes” lida com leis agrícolas, leis referente a alimentação e bênçãos
Moed, “feriado” lida com rituais de Shabbat e Yom Tovim Nashim, “mulheres” lida com assuntos referentes ao relacionamento entre homens e mulheres tais como casamento, divórcio etc.
Nezikin, “prejuízos” cobre a lei civil e criminal
Kodshim, “santidades” ou “coisas santas” se referem as leis do Templo
Taharot, “coisas puras” leis de pureza e impureza espiritual

Porém, um dos 63 tratados da Mishna não contem lei alguma. É o que chamamos de Pirkei Avot (Ética dos Pais, que pode ser encontrada em todos os sidurim) que traz mensagens de profunda sabedoria no formato de ditados (e que precisam de professores para explicação de seu conteúdo). Rabino Yehuda HaNasi terminou a Mishna cerca do ano 190 da Era Comum na cidade de Tzipori, na Galileia. Mesmo com todas as leis escritas, ainda havia a necessidade de professores qualificados para ensina-las e o mais importante, ensinar ao povo a INTERPRETA-LAS. …

CONTINUANDO A HISTORIA DA MISHNA = A Mishna de Rabi Yehuda HaNasi foi aceita por todos e nenhuma alteração de seu conteúdo foi aceita. Os Sábios que EXPLICAVAM a Mishna eram chamados Amoraim, e estes a explicaram e ensinaram por 7 gerações. Mas como aqueles eram tempos de crise política, financeira e Israel estava totalmente devastada depois das Guerras Judaicas contra os romanos, os Judeus mudaram-se em massa para outros países (devido a expulsão decretada pelo Imperador Adriano depois da derrota de Bar Kochba).

Um vasto número destes Judeus tinha se mudado para a Babilônia (Iraque), onde eles já tinham se fixado antes.

Além de oferecer uma infraestrutura capaz de receber os imigrantes Judeus, com academias de ensino, sinagogas e comunidades, a Babilônia estava livre da dominação Romana. (ainda havia Judeus morando em Israel, mas seu número era muito pequeno e sofriam altas represálias dos romanos). Com o passar dos séculos, exilados e temerosos pelo seu futuro, tantos as comunidades judaicas existentes na Babilônia e Israel sentiram a necessidade de escrever as explicações mais detalhadas para os ensinamentos contidos na Mishna (pois estes tinham sido escritos de forma compacta, resumida). As discussões e explicações mais detalhadas das Mishnaiot (tratados da Mishna) foram devidamente arranjadas em sessões distintas e escritas em Aramaico, recebendo então o nome de Gemara. De uma maneira bem resumida, a Gemara eh o comentário da Mishna. Fim da Parte 1 ——

PARTE 2, GEMARA = TALMUD, Recapitulando: Os Tannaim (Repetidores) repetiam os ensinamentos da Mishna de geração a geração, pois eram os portadores da Lei Oral. Os Amoraim (Explicadores) eram os Sábios que explicavam as mishnaiot. Assim sendo: Por centenas de anos, os Amoraim discutiram e explicaram os tópicos apresentados na Mishna do Rabino Yehuda HaNasi, que decidiu que estava na hora de colocar a Lei Oral no papel para que esta não se perdesse. As discussões e explicações dos Amoraim são chamadas SUGIOT (no plural, leia-se suguiot) e cada uma dessas discussões é chamada de SUGIAH (no singular, leia-se suguiah).

Assim como aconteceu com a Mishna, que foi coletada, organizada e editada pelo Rabino Yehuda HaNasi, cada suguiah (discussão) que explicava as mishnaiot foi coletada por vários grupos de Sábios (Amoraim), editada e organizada em tópicos específicos. A coleção de TODAS as sugiot é chamada de GEMARA (leia-se guemara), que significa “ensinamentos” ou ‘tradição’, em Aramaico. Enquanto a Mishna foi escrita em Hebraico Clássico, a Gemara foi escrita em Aramaico. A Mishna e a Gemara foram então colocadas juntas (no mesmo livro, digamos assim). Chamamos essa junção de TALMUD (‘ensinamento’, em Hebraico).

Mishna + Gemara = TALMUD – Jah que há mais sugiot do que de mishnaiot no Talmud, muitas vezes nos referimos a ele como ‘Gemara’. Parece meio confuso, mas é bem simples: nem todos os judeus falam “de acordo com o Talmud…”, muitos falam “de acordo com a Gemara…” já que o Talmud é composto principalmente de suguiot.

Agora que vc já sabe da história toda, a próxima vez que você ouvir alguém dizer “A Gemara nos diz…”, você saberá que a pessoa está se referindo ao Talmud.

ENTENDENDO MELHOR A GEMARA – A Gemara (ou Talmud) trata de todos os assuntos importantes da vida, do sagrado ao profano… orações, feriados, agricultura, vida sexual, medicina, superstições, lei criminal, lei civil, superstições, contos etc., etc., A Gemara possui dois tipos de narrativa:

a) Halacha – Discussões e explicações sobre leis judaicas (vida pratica). Nem todas as leis trazem uma solução, muitas vezes o problema é apresentado e discutido e então cabe aos judeus de cada época decidir que opinião seguirão… por isso é EXTREMAMENTE importante viver em uma comunidade judaica, porque seguimos a opinião vigente naquela comunidade. Por exemplo, um homem deve pedir opinião de sua esposa? Sim, há esta discussão no Talmud e várias respostas… mas a opinião válida para nossos dias depende de cada líder judaico e sua comunidade. Na minha comunidade: sim, homens pedem opinião das esposas em TUDO e juntos acham um acordo. Em algumas comunidades, homens não pedem opinião das esposas.

Em algumas comunidades, homens só pedem opinião das esposas em coisas simples, mas as importantes decidem sozinhos ou com outros homens. Em algumas comunidades, pedem opinião das esposas em coisas corriqueiras da vida, mas não em assuntos religiosos. E assim por diante. A interpretação de muitas sugiot depende da opinião da MAIORIA, ou seja, da comunidade onde cada judeu pertence. Então se você está fazendo teshuva ou se convertendo ao Judaísmo, ESTUDE como é o relacionamento marido-esposa no grupo judaico que te interessa.

b) Aggadah (ou Hagada) = Relatos e historias referente a vida de pessoas da época, algumas metáforas, comentários sobre fatos bíblicos, filosofia, teologia, literatura da época, comportamento etc. No Talmud, (geralmente) tudo o que não é halacha, é aggadah. Fácil, não? O propósito da Aggadah (Hagada) é nos ensinar a interpretar ideias, ética, valores e lições morais importantes para a vida de todos nós (vida teórica). Algumas aggadot são verídicas enquanto outras são metafóricas… Pq o uso de metáforas? Para nos fazer pensar. Se toda a informação fosse dada mastigadinha, não precisaríamos ter cérebro, certo? Então os Sábios escreveram várias metáforas, para que pensássemos a respeito e aprendêssemos a lição. Lembra da história da vaca que se recusava a trabalhar no Shabbat? Agadah.

E todas essas histórias bonitas, poéticas, tristes e as vezes engraçadas do Talmud? Todas aggadot. Eu amo ler aggadah, são sempre legais e nos dão uma visão bem humana da vida Judaica.

VOLTANDO A GEMARA – Embora a Mishna raramente cite versos bíblicos, a Gemara introduz quase todas as leis com um verso bíblico, seja da Torah ou Tanach. QUEM PODE ESTUDAR GEMARA – Qualquer pessoa, já que não há nenhum segredo lá dentro. COMO ESTUDAR O TALMUD? Na pratica, SOH ESTUDAMOS GEMARA (TALMUD) ACOMPANHADOS de um grupo ou pelo menos de um amigo. Se a pessoa for iniciante, tem que entrar em um grupo que contenha um rabino… se a pessoa for expert (por exemplo, se já tiver completado o Daf Yomi e tiver ótimos chavrutas que tbm são pessoas super. entendidas no assunto) daí podem estudar sem a supervisão de um rabino. Por que isso? Por que como disse anteriormente, ha inúmeras discussões no Talmud (Gemara) e… discussões apresentam opiniões diferentes, certo? Assim sendo, a pessoa iletrada e sem rabino pode se confundir MUITO se tentar ler o Talmud sozinha porque jamais saberá qual opinião é válida e qual não é. Exemplo ficticio de uma discussão halachica do Talmud: – Rabino A disse que devemos praticar a pena de morte, – Rabino B disse que a pena de morte jamais deveria ser praticada, – Rabino C disse que a pena de morte só deveria ser praticada em casos extremos, – Rabino D discordou dos 3 e disse que se alguém deseja a pena de morte, tal pessoa deveria ser morta, – Rabino A disse que o Rabino D deveria controlar suas palavras

E por isso evitamos estudar o Talmud sozinhos. Agora você entendeu porque todos os vídeos e artigos da internet chingando o Talmud não possuem NENHUM fundamento logico? Pois é… alguém pode pegar qualquer verso aleatório de uma das discussões talmúdicas e distorce-lo para seus propósitos maldosos. QUANTO TEMPO LEVA PARA LER O TALMUD? … Talmud: Daf = pagina Yomi = do dia (ou ‘por dia’) Se lermos uma página do Talmud por dia, o leremos em 7 anos. Antigamente não havia uma regra exata de como ler o Talmud, então algumas pessoas levavam a vida inteira para estuda-lo, enquanto outras “corriam” na leitura… Então, em Rosh Hashana do ano 5684 (11 de Setembro de 1923), o Rabino Meir Shapiro inaugurou seu sistema de estudo, o qual denominou de DAF

YOMI = estudar uma página do Talmud por dia = 2711 páginas = 7 anos.
POR QUE O DAF YOMI FOI CRIADO? O Rav Shapiro tinha por objetivo unir todos os judeus no estudo do Talmud, pois se todos estudassem a mesma página no mesmo dia, ficariam mais sintonizados uns com os outros e uma infinidade de vantagens nasceria desta atitude. O daf yomi também deu esperanças aos judeus mais simples pois mostrou que era possível que elas também lessem o Talmud (até então, ler o Talmud parecia um sonho impossível para a maioria das pessoas). É necessário muita disciplina para completar o ciclo de daf yomi…

… 7 anos, 1 pagina por dia, mínimo 1 hora de estudo… mas mesmo assim, todos os anos, homens e mulheres seguem esse ciclo fielmente.

Qual o daf yomi de hoje? … , há vários sites americanos onde pessoas podem acompanhar, estudar, ler e até ouvir a palestra do dia… tipo…o daf yomi é super acessível para quem estiver mesmo a fim de estuda-lo. Mas… é preciso compromisso! Pessoalmente, eu não estou nem perto de me sentir pronta para estudar Talmud com tamanha dedicação. Leio livros SOBRE o Talmud, ouço palestras SOBRE o Talmud, vejo vídeos SOBRE o Talmud, mas… não estudo o Talmud em si porque exigiria uma disciplina diária tremenda.

COREIA DO SUL E O TALMUD – Por algum motivo, o estudo do Talmud se tornou muito popular entre os sul-coreanos. Eles simplesmente compram volumes do Talmud e leem… quando leem discussões halachicas, discutem entre si (discussões halachicas afiam a mente porque usam a logica) e quando acham aggadah, contam para seus filhos na mesa de jantar ou antes de dormir.

TALMUD E O PRÊMIO NOBEL – Para judeus religiosos, estudiosos do Talmud são vistos com o mesmo respeito que vemos ganhadores do prêmio Nobel (ou até mais respeito!). Mas é errado pensar que só intelectuais estudam o Talmud. O conhecimento é aberto a todos, só basta querer estudar e estuda-lo direito (com devido acompanhamento).

BAVLI E YERUSHALMI – Em resumo: – Talmud Bavli: escrito na Babilônia – Talmud Yerushalmi: escrito em Israel. Sim, há dois Talmuds e vamos falar sobre os dois no próximo post desta série:
1. qual a história dos dois? 2. quem os escreveu e em que condições? 3. por que o Yerushalmi é menor do que o Bavli? 4. por que seguimos o Bavli que foi escrito na Babilônia, se o Yerushalmi foi escrito na Terra Santa? Não deveria ser o oposto? 5. quais as principais diferenças entre os dois? Abaixo, algumas perguntas de uma amiga que acompanha o blog, …

O TALMUD NOS TORNA MAIS TOLERANTES? Sim. Por exemplo: Você sabia que o Talmud discute bastante se mulheres devem usar tefilin, mas nunca bateu o martelo sobre esse assunto? Você sabia que a filha do Rei Saul, Michal, usava tefilim sem ser importunada? No Judaísmo, a opinião da maioria é o que torna algo valido ou invalido (aprendemos isso da história da escola de Yavneh).

Assim sendo, já que a mitzva de talit e tefilim são conectadas ao tempo (tem que ser feita em horário definido), a maioria de nossos líderes decidiu que era melhor isentar as mulheres dessas mitzvot. Imagina se uma mãe de 5 filhos decidisse tomar a mitzva de tefilim sobre si, será que ela acordaria mais cedo para preparar o café da manhã das crianças ou as deixaria com fome até acabar de rezar (já que o tefilim tem horário certo de ser usado)? Para evitar esse tipo de conflito, não cumprimos esta mitzvah. No entanto, na literatura talmúdica, lemos que mulheres são isentas de usar tefilin (Mishnah Berachot 3:3 – Kiddushin 33b-34a; SA, OC 38:3), mas não são exatamente proibidas, por isso não podemos “jogar pedras” sobre mulheres que usam este acessório. Isso é assunto delas com Hashem.

Vemos um exemplo bem interessante de uma judia religiosa usando tefilin na história da ‘Maiden of Ludmir’ (Virgem de Ludmir), Hannah Rachel Verbermacher que viveu no fim do século 19 e foi a primeira e única mulher REBBE (rebbes são lideres hassidicos) da História. Outras mulheres usaram tefilim no decorrer da história judaica, mas foram casos isolados e na maioria das vezes, elas nunca sofreram represálias sobre isso. Muita gente pergunta: “Mulheres judias se sentem inferiores por não usarem talit e tefilim?” Não. Nem pensamos na possibilidade de usar tefilim pois temos nossas próprias mitzvot para cumprir: challah, pureza familiar e acendimento das velas de Shabbat.

Leva um bom tempo e muito estudo para cumprir estas 3 mitzvot femininas, acredite. Junte a estas 3 mitzvot femininas o tempo que levamos para: concluir nossas rezas diárias, o tempo que levamos para recitar Tehilim (Salmos), cuidar da família e da casa, trabalhar fora, guiar os filhos no ‘derech’ (“caminho” religioso), manter uma cozinha casher, tziniut, estudar, cozinhar p/ necessitados, doentes, casas em shiva, mães que tiveram bebes (sim, quem tem uma cozinha casher cozinha bastante… para si e para os outros), dar atenção a nossos maridos, preparar a casa pra Shabbat, cozinhar para os convidados de Shabbat e feriados religiosos, ler a parashá da semana 2 vezes (é o ideal, uma vez s/ os comentários e a segunda, com comentários) etc., etc., etc. … uau… vou parar por aqui pq… olha… mulheres religiosas TEM TANTA COISA PRA FAZER que agora você entende porque não pedimos para usar tefilin, certo? Se nossos rabinos nos ordenassem usar tefilim hoje, a maioria de nós iria pedir para que continuássemos isentas desta mitzvah. Homens tem a obrigação de cumprir mitzvot que possuem limitações de tempo. Mulheres são isentas de todas as mitzvot com limitação de tempo. Então… já que o Talmud não bate o martelo proibindo o uso de tefilim, é melhor evitar falar mal de mulheres que o usam… e ao vê-las, em vez de sentir raiva ou qualquer tipo de sentimento negativo, é melhor que sigamos com nossas vidas pacificamente porque temos muito trabalho a fazer. E assim ficamos mais tolerantes.

O parágrafo explicativo da Mishna Yoma (“sequestro” do Cohen Gadol) com interpretação é uma sugya (סוגיא)? Sim … Cada discussão encontrada no Talmud é uma sugya. Exemplo: discussão sobre as consequências de lashon hara é uma sugya, como rezar a amidah é uma sugya, como dizer o birkat hamazon é uma sugya… O conjunto de várias discussões é chamado de sugyot. Assim sendo, as 3 discussões (lashon hara, amidah e birkat hamazon) juntas, são sugyot. A Gemara é formada de sugyot dos mais variados assuntos.

Há ainda a interpretação das sugiot (que são feitas há anos e anos) dentro das características de cada comunidade judaica e junto ao líder desta comunidade judaica em todos os lugares do mundo? Sim! As ‘sugyot’ (discussões) eram feitas de acordo com as necessidades de cada comunidade e a opinião de seus líderes. Bavli e Yerushalmi possuem sugyot bem diferentes sobre os mesmos assuntos, pois enquanto os judeus da Babilônia viviam como reis, os de Israel estavam sob dominação romana… Além da Mishna e Gemara, foram acrescentados no Talmud Bavli (o que usamos hoje em dia) comentários de Rashi e de outros comentaristas clássicos que nos ajudam a entender melhor todas as sugyot (discussões).

Depois que “fecharam” o Talmud (pararam de adicionar comentários), as sugyot continuaram a ser interpretadas por diferentes lideres judaicos, de acordo com a necessidade de suas comunidades.

Por exemplo: como fazer matza? Na época do Templo, a família Baitus (ou Baitzu, Baitzuzi) era uma das mais ricas da época e há uma discussão talmúdica sobre como o chefe desta família queria que sua matza fosse feita… ele queria uma matza decorada e perguntava se isso seria considerado casher para Pessach. Os yemenitas interpretaram as discussões de como fazer matza de uma maneira diferente de todos os outros judeus e por isso eles fazem uma matza macia, quase como um pão pita… e esta matza macia é totalmente valida e casher para Pessach!

Algumas comunidades marroquinas interpretaram as sugyot de matza de uma maneira bem curiosa e fazem uma matza menor que a nossa “bolacha quadrada” e que é bem grossa… tipo… é uma matza para dentes fortes, digamos assim. Judeus espanhóis colocavam temperos na matza (informação contida no livro ‘A Drizzle of Honey’, que fala da culinária judaica em tempos de Inquisição). Enquanto isso, a matza Ashkenazita não é decorada, não é macia, não é grossa e nem temperada haha … Eh bem estilão “bolacha cream cracker” mesmo. Por que tantas maneiras de se fazer matza? Por que o Talmud apenas discute como fazer a matza (farinha + água + assar rápido, antes que a massa fermente) mas nunca nos deu uma receita exata. Se houvesse uma receita no Talmud, por exemplo:
Matza para 4 pessoas: a) meio quilo de farinha de trigo b) dois copos de agua c) misture os dois ingredientes rapidamente, por exatamente 8 minutos d) coloque para assar imediatamente a um forno de 180ºC por 10 minutos e) sirva enquanto quente jamais teríamos essas interpretações diferentes da sugya (discussão) de como fazer uma matza casher para Pessach… com uma “receita certinha”, o Judaísmo estaria “congelado” e jamais poderia progredir, crescer, se adaptar.

POR ISSO ERA PROIBIDO ESCREVER A LEI ORAL, pois havia o temor de que se a escrevêssemos, perderíamos a flexibilidade necessária para desenvolvermos uma vida judaica … porem, devido as circunstancias, tivemos que escreve-la. Sim, perdemos muito da flexibilidade de pensamento vista no passado, mas isso não nos impede de crescer e expandir o Judaísmo até os dias hoje. Como lidar com eletricidade? Inseminação artificial? Transplante de órgãos? Poluição do meio ambiente? Sentimentos de animais? Problemas psicológicos e psiquiátricos? Astronomia? Física Quântica? Teoria de Cordas? (há discussões astrológicas no Talmud, então se ele fosse escrito hoje, com certeza discutiriam astronomia) etc., etc., etc. Portanto, todas as discussões (todas as sugyot juntas = Gemara) contidas no Talmud (Mishna + Gemara) nos dão um ponto de referência sobre como lidar com questões da vida atual. Ainda veremos: Parte 3 – Bavli e Yerushalmi – Shas, 4 – Yerushalmi impresso e suas edições contemporâneas, 5 – Como estudar uma página do Yerushalmi, 6 – Midrash, Então, qdo estivermos familiarizados com tudo, podemos partir para temas menos conhecidos: 7 – Baraita, 8 – Tosefta. De passo em passo a gente chega lá. Kol tuv!

[1]
Fontes: [1] https://www.vidapraticajudaica.com/single-post/2015/08/27/O-que-eh-Mishna-Gemara-Talmud-Midrash-PARTE-2, 26.08.2015
Coordenador: Saul Stuart Gefter 05 de Shevat de 5780 – 31 de janeiro de 2020

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