O LIVRO DOS MACABEUS (5779) – Estudo 14 de dezembro de 2018 – 06 de Tevet de 5779

I. Alexandre e os Judeus – Por Rabi Ken Shapiro

Estrelados por astros de primeira grandeza, dois filmes sobre Alexandre o Grande parecem estar a pleno vapor… O que não será mostrado são as fascinantes interações que Alexandre teve com o povo judeu e o complexo relacionamento que se desenvolveu entre os gregos e os judeus e que prepararam o cenário para a história de Chanucá.

O Cenário Histórico – Alexandre, nascido em 356 AEC, era filho de Filipe II (382-336 AEC), Rei da Macedônia no norte da Grécia (e considerado um bárbaro pelas cidades-estado ao sul da Grécia). Filipe criou um exército poderoso, profissional, que uniu à força as cidades-estado gregas fracionadas em um só império. Desde a mais tenra idade, Alexandre mostrou possuir um enorme talento militar, e foi designado como comandante do exército de seu pai aos 18 anos, Tendo conquistado toda a Grécia, Felipe estava para iniciar uma campanha para invadir o arquiinimigo da Grécia, o Império Persa. Antes que pudesse invadir a Pérsia, Filipe foi assassinado, possivelmente por Alexandre, que então se tornou rei em 336 AEC. Dois anos depois, em 334 AEC, ele cruzou o Helesponto (atualmente, Turquia) com 45.000 homens e invadiu o Império Persa.

Em três batalhas colossais – Granicus, Issus e Gaugamela – que ocorreram entre 334 e 331, Alexandre liderou brilhantemente (e com freqüência imprudentemente) seu exército até a vitória contra os exércitos persas que superavam os seus na proporção de dez para um. Em 331 AEC, o Império Persa estava derrotado, o Imperador Dario estava morto, e Alexandre era inquestionavelmente o Imperador do Mediterrâneo.

Sua campanha militar durou 12 anos e levou-o, e ao seu exército, a 15 mil quilômetros de distância, até o Rio Indo, na Índia. Somente a exaustão de seus homens e a morte precoce de Alexandre aos 32 anos pôs fim à conquista grega do mundo conhecido. Diz-se que quando Alexandre contemplava seu império, chorava porque não havia mais nada a conquistar. Seu vasto domínio não sobreviveu à sua morte, mas fragmentou-se em três grandes blocos centralizados na Grécia, Egito e Síria, controlados por seus antigos generais. Quando estava no auge, o império de Alexandre ia do Egito até a Índia. Ele construiu seis cidades gregas, todas chamadas Alexandria. (Somente a Alexandria do Egito sobrevive até hoje). Estas cidades, e os gregos que se estabeleceram nelas, levaram a cultura grega ao centro das antigas civilizações da Mesopotâmia.

Os gregos não foram apenas imperialistas militares, mas também culturais. Os soldados e os colonizadores gregos levaram seu estilo de vida – idioma, arte, arquitetura, literatura e filosofia – ao Oriente Médio. Quando a cultura grega se fundiu com a do Oriente médio, criou um híbrido cultural – o Helenismo (Hélade é a palavra grega para Grécia) – cujo impacto seria muito maior e duraria muito mais tempo que o breve período do império de Alexandre. Seja através da batalha campal, arte, arquitetura ou filosofia, a influência do Helenismo sobre o Império Romano, Cristianismo e o Ocidente foi monumental. Porém é a interação entre os judeus e os gregos e o impacto do Helenismo sobre o Judaísmo que queremos examinar mais de perto.

Desvio para Israel – Durante sua campanha militar contra a Pérsia, Alexandre fez um desvio para o sul, conquistando Tiro e depois o Egito, passando pelo local que hoje é Israel. Há uma história fascinante sobre o primeiro encontro de Alexandre com os judeus de Israel, que eram súditos do Império Persa. A narrativa sobre o primeiro encontro de Alexandre com os judeus está registrada tanto no Talmud (Yoma 69a) quanto no Livro da Antiguidade do historiador judeu Josephus (XI, 321-47).

Em ambas as narrativas o Sumo Sacerdote do Templo em Jerusalém, temendo que Alexandre destruísse a cidade, saiu para encontrá-lo antes que ele chegasse à cidade. A narrativa descreve como Alexandre, ao avistar o Sumo Sacerdote, desmontou e inclinou-se perante ele. (Alexandre raramente se curvava para alguém). Na narrativa de Josephus, quando seu general Parmerio lhe pediu para explicar sua atitude, Alexandre respondeu: “Eu não me inclinei perante ele, mas perante aquele D’us que o honrou com o Sumo Sacerdócio; pois eu vi esta mesma pessoa num sonho, com esta mesma roupa.” Alexandre interpretou a visão do Sumo Sacerdote como um bom presságio e assim, poupou Jerusalém, absorvendo pacificamente a Terra de Israel em eu crescente império. Como um tributo à sua conquista benigna, os Sábios decretaram que o primeiro recém-nascido judeu daquela época receberia o nome de Alexandre – que até hoje permanece sendo um nome judaico. E a data do encontro entre eles, 25 de Tevet, foi declarada um feriado de menor importância.

Judeus e gregos – Assim começou o relacionamento mais complexo e interessante do mundo antigo. Os gregos jamais tinham conhecido um povo como os judeus, e os judeus jamais tinham visto alguém como os gregos. A interação inicial pareceu ser bastante positiva. Para os judeus, os gregos eram uma cultura exótica e nova do Ocidente. Tinham uma profunda tradição intelectual que produzira filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles (que foi tutor de Alexandre durante dois anos). Seu amor pela sabedoria, ciência, arte e arquitetura os destacava de outras culturas que os judeus conheciam, O idioma grego era considerado tão belo que o Talmud por vezes o chamou de mais bonita de todas as linguagens e os Rabinos decretaram até que um Rolo da Torá fosse escrito em grego. Os gregos jamais tinham conhecido alguém como os judeus – a única nação monoteísta do mundo, com um conceito ímpar de um D’us bom e infinito que cuida da criação e intervêm na História.

Os judeus tinham tradições filosóficas e legais profundas e complexas. Tinham taxas de alfabetização e infra-estrutura de bem-estar social incomparável no mundo antigo.

Os gregos ficaram tão fascinados com os judeus que se tornaram o primeiro povo a traduzir a Bíblia em outro idioma quando o Rei Ptolomeu II (cerca de 250 AEC) forçou 70 Rabinos a traduzirem a Bíblia Hebraica em grego (conhecida como Septuaginta, que significa “70” em grego).

Dois impérios gregos surgiram no Oriente Médio depois da morte de Alexandre: os Ptolomeus no Egito e os Selêucidas na Síria. A Terra de Israel era a fronteira entre estes dois impérios em guerra. Inicialmente, os judeus estavam sob o controle dos Ptolomeus, mas depois da Batalha de Panias em 198 AEC, Israel viu-se sob o domínio dos Selêucidas e seu rei, Antiochus. Enquanto grande parte da camada superior da sociedade judaica, juntamente com o restante da população do mundo Mediterrâneo, tivesse prontamente abraçado a cultura helenista (alguns a ponto de denunciar sua identidade judaica), a grande maioria dos judeus permaneceu fiel ao Judaísmo. Esta “rejeição” ao estilo de vida helenista era visto com grande hostilidade por muitos gregos e considerada uma forma de rebelião. As exóticas diferenças que tinham servido certa vez como fonte de atração entre as duas culturas agora criara a faísca para uma guerra cultural. Para tornar as coisas piores, Israel era a fronteira entre estes dois impérios gregos, e os judeus, que se recusavam a assimilar, eram vistos como uma população desleal numa parte estrategicamente vital do Império Selêucida.

Seria um equívoco enxergar o conflito como puramente gregos versus judeus. A tensão interna na comunidade judaica contribui muito para o conflito. Grande parte dos judeus helenizados tomaram sobre si a tarefa de “ajudarem” seus irmãos mais tradicionais, “arrastando-os” daquilo que consideravam como crenças primitivas para o mundo “moderno” da cultura grega. (Este padrão tem se repetido muitas vezes na história judaica – na Rússia do século 19 e na Alemanha, para citar apenas alguns exemplos.) Para ajudá-los em seus esforços, estes judeus helenizados pediram a ajuda de seus aliados gregos, chegando a aliciar o próprio rei, Antiochus IV Epifanes, ao conflito.

Na metade do século, Antiochus emitiu um decreto inédito até então naquele mundo antigo multicultural e tolerante no sentido religioso: Ele proibiu a religião de outros povos. Baniu o ensinamento e prática do Judaísmo. O Livro dos Macabeus (provavelmente escrito por um cronista judeu no início do Primeiro Século AEC) assim o descreve: “Não muito depois disso, o rei enviou um senador ateniense para obrigar os judeus a abandonarem as leis de seus antepassados e deixarem de viver pelas leis de D’us, e também a profanarem o Templo em Jerusalém e chamá-lo de Templo do Zeus Olímpico.” (Macabeus II 6:1-2). Brutais perseguições gregas aos judeus desencadearam a primeira guerra religiosa/ideológica da História – a revolta dos Macabeus. O levante foi liderado pela família sacerdotal de Matitiyáhu e seus cinco filhos, dos quais o mais conhecido era Judah. Contra todas as expectativas, o exército de guerrilha dos Macabeus derrotou os exércitos gregos, muito maiores, mais bem equipados e profissionais. Após três anos de lutas, Jerusalém foi libertada. O Templo, que tinha sido profanado, foi purificado e rededicado a D’us. Foi durante este período que ocorreu o milagre de Chanucá.

Uma pequena ânfora de azeite usada pelo Sumo Sacerdote para acender a Menorá no Templo, que teria sido suficiente para apenas um dia, ardeu milagrosamente por oito dias.

O conflito se arrastou por diversos anos ainda, custando a vida de muitos judeus, incluindo Judah Macabeu e vários de seus irmãos, Por fim, os gregos foram derrotados e o Judaísmo sobreviveu. Alguns argumentam que um milagre ainda maior que o do azeite foi a vitória militar dos judeus sobre o Império Grego. Porém a luz de Chanucá é o símbolo da verdadeira vitória – a sobrevivência da luz espiritual do Judaísmo. A milagrosa sobrevivência do Judaísmo permitiu que os judeus tivessem um impacto muito maior sobre o mundo que o tamanho minúsculo do povo judeu, dando ao mundo o conceito de um único D’us e os valores da santidade da vida, justiça, paz e responsabilidade social, que são os alicerces morais e espirituais da civilização ocidental. Rabi Ken Shapiro é originário de New Rochelle, (Nova Iorke), Diplomou-se no Vassar College com BA em Russo e Literatura, e fez estudos de pós-graduação no Instituto Pushkin em Moscou. Teve sua ordenação rabínica na Yeshivá Aish HaTorah em Jerusalém, e Mestrado em História no Vermont College da Universidade Norwich. Rabi Spiro é também guia de turismo licenciado pelo Ministério do Turismo de Israel. Mora em Jerusalém com a esposa e cinco filhos, onde trabalha como palestrante e pesquisador no programa de divulgaç∫ao da Aish HaTorah. [1]

II. Os Macabeus – Por Rabino Jonathan Sacks

Para defender um país você precisa de um exército, mas para defender uma identidade você precisa de escolas. A história em si tem uma história. Aquilo que os eventos parecem significar na época não é como são vistos sob a plena perspectiva da distância. Veja Chanucá, a festa que em breve celebraremos. Abra o Primeiro e o Segundo Livro dos Macabeus e lerá uma história de coragem militar. Desde os dias de Alexandre o Grande, Israel estava sob o governo dos gregos, primeiro sob os Ptolomeus baseados no Egito, depois, um século mais tarde, sob os Selêucidas, que governavam a partir da Síria. Um líder selêucida, Antiochus IV, decidiu forçar o ritmo da helenização dos judeus, banindo publicamente as práticas do Judaísmo. No lugar delas ele instalou uma estátua de Zeus no local do Templo e ordenou que sacrificassem suínos ali. Para os judeus isso era a “abominação da desolação”. Yoshua ben Gamla entendia que a verdadeira batalha que os judeus enfrentavam não era a militar. Era cultural e espiritual.

Liderado pelo idoso sacerdote Matityahu e seus filhos, um grupo de judeus conhecidos como Macabeus ergueu-se em revolta. Eles conseguiram uma vitória, reconquistaram Jerusalém, purificaram o Templo e reacenderam seu candelabro, a Menorá. Ela é o símbolo mais visível da festa até hoje. Nós a acendemos em nossos lares durante oito noites, acrescentando uma vela extra a cada noite. Eis como a história era na época: uma história de exércitos, batalhas e heroísmo físico. Mas o Livro dos Macabeus jamais fez parte da Torá. Não é como os judeus vieram a relembrar o passado. O motivo é que a vitória teve um prazo relativamente curto. Os judeus venceram seu confronto com os gregos, mas o perderam contra os romanos. Um século depois Pompeu invadiu Israel, que então passou para o domínio romano, Quando isso também se tornou opressivo, os judeus se ergueram em revolta duas vezes, no primeiro e no segundo séculos. Ambos foram desastres nacionais. Após o primeiro, o Templo foi destruído.

Depois do segundo, Jerusalém ficou abandonada. Em conjunto, estas foram as piores catástrofes judaicas até o Holocausto. Porém o Talmud relata uma história fascinante. No primeiro século, pouco antes da destruição do Templo, um rabino chamado Yoshua ben Gamla organizou a criação de uma rede nacional de escolas, proporcionando a educação das crianças em todo o país. Foi o primeiro sistema de educação universal na história. O Talmud diz que se não fosse por ele “a Torá teria sido esquecida em Israel.” Não teria havido judaísmo, identidade, nem judeus. Uma nova identidade judaica começou a emergir, baseada não em exércitos, mas em textos, professores e casas de estudo. Yoshua ben Gamla entendia que a verdadeira batalha que os judeus enfrentavam não era a militar. Era cultural e espiritual. Eles se preocupavam suficientemente com sua fé para transmiti-la aos filhos? Eles acreditavam que apesar das grandes realizações dos gregos na arte, arquitetura, literatura e filosofia, os judeus ainda tinham uma grande contribuição a fazer para o mundo que ostensivamente era deles? Uma nova identidade judaica começou a emergir, baseada não em exércitos, mas em textos, professores e casas de estudo.

Os judeus se tornaram um povo cujas cidadelas eram escolas, cujos heróis eram professores e cuja paixão era a educação e a vida da mente. E sobreviveram. Isto foi o mais notável. A transformação do significado no decorrer do tempo é ecoada no próprio nome Chanucá. Significa “dedicação”, que os macabeus fizeram ao Templo depois de ser purificado. Porém a mesma palavra, na forma Chinuch, também significa “educação”, a dedicação ou consagração dos jovens como guardiães de uma identidade sagrada. As luzes de Chanucá vêm para simbolizar a santidade do lar judaico. Os judeus se tornaram um povo cujas cidadelas eram escolas, os heróis eram professores e cuja paixão era a educação… E sobreviveram. Isto foi o mais notável. O Ocidente atual está lutando algumas difíceis batalhas militares. Mas também há, assim como havia para os judeus há 22 sséculos, uma batalha espiritual e cultural a ser lutada: não para impor nossos valores sobre os outros, mas para ensiná-los aos nossos filhos. Ainda temos um senso claro de quem somos como nação? Nós cmpartilhamos valores? Ainda acreditamos na santidade da família? Nossas vidas têm profundidade espiritual e beleza moral? Vemos a nós mesmos como guardiães de uma tradição que transmitimos com orgulho aos nossos filhos? O futuro do Ocidente pode depender das nossas respostas àquelas perguntas. Para defender um país você precisa de um exército. Mas para defender uma identidade você precisa de escolas. O rabino Jonathan Sacks é ex rabino-chefe da Inglaterra e da Comunidade Britânica. [2]

III. Os dois livros dos Macabeus

Tudo o que sabemos sobre a história de Chanucá é retirado dos dois Livros dos Macabeus, encontrados numa coletânea chamada de Sêfer Hachitsonim, que inclui outros livros que ficaram de fora da Bíblia, mas são mencionados no Talmud. [3]

Fontes: [1] Chabad: http://www.chabad.org.br/biblioteca/historias/hist232.html [2] Chabad: https://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/1707380/jewish/Os-Macabeus.htm [3] https://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/660387/jewish/O-Ms-de-Kislv-e-os-Macabeus.htm
Coordenador: Saul S. Gefter, Diretor Executivo 06 de Tevet de 5779 – 14 de Dezembro de 2018

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