Luto na visão do Judaísmo (5781)- Estudo para 16 de julho de 2021 – 07 de Av de 5781

O Significado da Morte e o Processo de Luto na visão do Judaísmo, por Nazare’ Jacobucci

“E o Todo Poderoso formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas a alma da vida”. (Toráh)
Dando continuidade aos posts sobre a compreensão da morte em determinadas religiões, abordaremos neste post o Judaísmo. Exploraremos como os fiéis dessa religião se relacionam com a realidade da morte e buscaremos compreender o significado de seus rituais.

O judaísmo é considerado a primeira religião monoteísta da história. Tem como crença principal a existência de apenas um D-us, o criador de tudo. Para os judeus, D-us fez um acordo com os hebreus, fazendo com que eles se tornassem o povo escolhido e prometendo-lhes a terra prometida.

De acordo com as escrituras sagradas, por volta de 1800 a.C, Abraão recebeu um sinal de D-us para abandonar o politeísmo e viver em Canaã (atual Palestina). Abraão, considerado o patriarca do povo judeu, teve um filho chamado Isaac e este tem um filho chamado Jacob, que, o anjo mudou o nome para Israel. Este teve 12 filhos dos quais se formariam as doze tribos de Israel, dando origem, assim, ao povo judeu. Por volta de 1650 a.C, o povo judeu migra para o Egito, onde são escravizados pelos faraós por aproximadamente 400 anos, como havia sido dito pelo próprio D-us a Abraão. A libertação do povo judeu ocorre por volta de 1300 a.C. A libertação e fuga do Egito foi comandada por Moisés. Após atravessarem o Mar Vermelho o povo comandado por Moisés ainda permanece durante 40 anos peregrinando pelo deserto, até receber um sinal de D-us para voltarem para a terra prometida, Canaã.

Nesse tempo Moisés recebe, no Monte Sinai, as tábuas com os 10 primeiros dos 613 mandamentos da Toráh, que é o livro sagrado dos Judeus, e criou-se o Tabernáculo.

Entretanto, após a conquista gradativa de Canaã, não havia uma unidade nacional, o país estava dividido em 12 tribos lideradas por seus próprios Patriarcas, mas tendo em comum a mesma religião, a língua e as tradições culturais. Por isso, o povo entendeu que só uma monarquia forte, como tinham os países vizinhos, e, portanto, um Rei que os unisse, é que lhes poderia proporcionar vitórias, conquistas e paz. Por volta de 1200 a.C dá-se início ao reinado de Saul da tribo de Benjamin como o primeiro Rei de Israel unificado. Saul foi sucedido por David. O reinado de Davi foi dos mais notáveis da história de Israel, conquistando Jerusalém e fazendo dela a Capital do Reino de Israel.

No entanto, Davi não conseguiu construir o Templo, o que só foi realizado por seu filho Salomão. Após o reinado de Salomão, filho de Davi, as tribos dividem-se em dois reinos: Reino de Israel e Reino de Judá. Neste momento de separação, aparece a crença da vinda de um messias que iria juntar o povo de Israel e restaurar o poder de D-us sobre o mundo.

Em 536 a.C começa a diáspora judaica com a invasão babilônica. O imperador da Babilônia, após invadir o reino de Israel, destrói o templo de Jerusalém e deporta grande parte da população judaica. No século I, os romanos invadem a Palestina e destroem o templo de Jerusalém. No século seguinte, destroem a cidade de Jerusalém, provocando a segunda diáspora judaica. Após estes acontecimentos, os judeus espalham-se pelo mundo, conservando a cultura e a religião. Em 1948, como resultado da comoção causada pelo Holocausto, o povo judeu retoma o direito de estabelecer um estado independente na região da Palestina, o estado de Israel.

A tradição judaica nos ensina a encarar a morte com respeito, porém não devemos teme-la. De acordo com os pressupostos do Judaísmo a criação do homem atesta a vida eterna da alma. Para os judeus, no ser humano foi plantada a semente da eternidade. Para os judeus, na morte, a alma e o corpo, que formavam uma entidade, se separam. O corpo é enterrado e volta à matéria perdendo toda sua conexão com a vitalidade. Já a alma é eterna, e se transfere deste mundo para o próximo, um mundo inteiramente espiritual.

Essa transferência se dá por etapas: enquanto o corpo passa por um processo lento de decomposição essencial para a separação gradual entre corpo e alma, a alma judaica passa por vários estágios se desligando gradativamente deste mundo: primeiro a morte, depois o enterro, 3 dias após a morte, uma semana após a morte, 30 dias após a morte, 3 meses após a morte, 11 meses após a morte, e finalmente um ano após a morte. Segundo Leone, diante da morte o Judaísmo nos ensina a buscar uma maior consciência sobre a maravilha do existir. Leone escreve – “nossos ritos e ensinamentos relacionados à morte são o meio pelo qual somos convidados a contemplar a árvore da vida que engloba toda a existência. É nesse sentido que a morte é descrita muitas vezes na Toráh como um retorno para casa”. (Leone, 2007).

Post Judaismo – Para compreendermos um pouco sobre os ritos de passagem do Judaísmo, eu tive a honra de entrevistar o Rabino Pablo Berman, sobre questões que permeiam este tema. Abaixo seguem os principais pontos da entrevista.

Como os Judeus compreendem a morte? Qual o seu significado? No tratado talmúdico Ética dos Pais (Pirkei Avot 4:16), Rabbi Yaacov expressou uma visão da vida que capturou a imaginação de muitos judeus: “Este mundo é como um saguão, como um corredor (prozdor) antes do mundo vindouro (olam haba), temos que nos preparar no saguão para poder entrar ao grande salão”. Essa é a ideia da morte como parte da vida e que não temos uma sem a outra.

O Midrash, ou seja, os relatos dos rabinos, nos conta sobre dois navios que navegavam próximos à praia, um em direção ao mar e outro se aproximava do porto. As pessoas ali reunidas se despediam com alegria do barco que ia, e colocavam pouca atenção ao que chegava. Um homem sábio, que observava a cena, sentiu que tinha uma grande contradição.

Segundo ele, o barco que zarpava não deveria ser motivo de alegria, porque ninguém sabia o que encontraria em sua longa travessia. Mas sim, deveriam saudar o barco que chegava, porque cumpria com seu destino de ver concluída sua jornada em paz.

Quando um ser querido falece, deveríamos sentir paz no espírito ao reconhecer que chegou seu destino e completou

a viagem.
Por que os Judeus precisam ser enterrados o mais rápido possível? E o que é o ritual religioso chamado Tahara? Os rituais judaicos de morte e luto estão regidos por dois princípios básicos: “kvod hamet”, o respeito ao morto, e “kvod hachaim”, a consideração dos sentimentos dos vivos. Quando a lei judia ordena que o funeral deve ter lugar dentro das 24 horas após a morte, se preocupa com o “kvod hamet”, porque deixar um corpo sem enterrar durante um período prolongado é considerado falta de respeito.

A Tahara significa a purificação da pessoa falecida, lavando o corpo antes de ser enterrado. A tradição judia indica que assim como o corpo chega puro a este mundo, deve também voltar puro. A lavagem se faz com água morna e é realizada por um grupo de pessoas voluntárias que se chamam “chevra kadisha”, que poderíamos traduzir como a sociedade ou grupo santo. Porque a tarefa que realizam é santa.

Quais são os rituais judaicos durante o sepultamento? Como explicamos, o primeiro é a Tahara, a purificação do corpo através da água e logo o corpo da pessoa é vestido com roupas brancas denominadas “tachrichim”. Todos são vestidos com as mesmas roupas brancas que representam a pureza e que todos nós vamos vestidos do mesmo modo.

Por que os familiares enlutados rasgam as próprias roupas antes do funeral? Rasgar as roupas chama-se “kria” é um antigo e tradicional sinal de luto, entre os judeus, que remonta a tempos bíblicos, e realizamos a kria como uma expressão de dor que sentimos pela perda de um ente querido, por isso rasgamos as roupas para deixar à vista a dor que sentimos no coração. O primeiro registro desse costume encontra-se no livro de Gênesis, quando o patriarca Yaacov rasgou suas roupas ao saber que seu filho José tinha morrido. Simboliza o início da consciência do processo de luto.

Por que os Judeus têm o costume de colocar uma pedrinha em cima da lápide dos túmulos? A pedra é eterna como a alma. O costume de colocar flores não é tão comum no judaísmo. Somos pó como a pedra e voltamos ao pó assim como diz D-us a Adão no texto de Gênesis. A pedra também indica que nunca vamos esquecer nosso ser querido.

Qual a visão do Judaísmo sobre o mundo espiritual? As almas são eternas. Acreditamos que não somente somos um corpo. O corpo retorna à terra, mas nossas almas continuam sempre com vida, iluminando os caminhos dos vivos. Acreditamos também no que chamamos “tchiat hametim”, ou seja, a ressurreição dos mortos, assim como relata o profeta Ezequiel em sua visão. Isso acontecerá quando o Messias chegar, descendente da Casa de Davi.

Os Judeus podem ser cremados? Não. A tradição judia não vê com bons olhos essa prática. O corpo deve retornar à terra tal como veio, e ali transformar-se em pó. Também está relacionando com o que os nazistas fizeram com 6 milhões de irmãos do povo judeu. Fomos cremados por outros, mas nunca, jamais, por nós mesmos.

Dentre os rituais ligados à morte o que os familiares fazem com os pertences da pessoa que morreu? Existem diferentes costumes com isso. Pessoalmente, acredito que se as roupas estão em bom estado, devem ser doadas às pessoas pobres que não têm o que vestir.

Como é vivenciado o processo de luto pelos familiares e amigos? O judaísmo se preocupa muito com os vivos. É o que chamamos “kvod hachaim”, a consideração dos sentimentos dos vivos. Os rituais judaicos estão pensados para que os parentes não fiquem sozinhos em nenhum momento. A preocupação com o bem-estar mental, emocional e espiritual dos enlutados, e a necessidade de consolá-los, é um dever fundamental no Judaísmo. A Lei Judaica estipula períodos sucessivos de luto, que vão gradualmente diminuindo de intensidade. Na “shivá” os sete primeiros dias de luto, os parentes são acompanhados, são feitas rezas nas suas casas, são levadas comidas, tudo para estarem com eles, e rezar pela alma do ente querido que voltou a se unir com a Eternidade.

O segundo período de luto é conhecido como Sheloshim (“trinta”); este inicia-se com o fim da Shivá, no 7º dia após o enterro, e estende-se por mais 23 dias, até o nascer do sol do 30º dia após o enterro. O último ciclo se encerra quando se completa 1 ano da morte do ente querido.

Eu penso que compreender a linguagem simbólica das religiões é de suma importância na lida diária dos psicólogos para que possamos acolher a dor de nossos pacientes de forma integral. Shalom! [1]

II. A Shivá em Tempos de Pandemia – Por, Mendy Tal – Cientista Político
No judaísmo, a vida é considerada acima de quase tudo. O Talmud observa que, como toda a humanidade descende de uma única pessoa, tirar uma vida é como destruir um mundo inteiro, enquanto salvar uma vida é como salvar um mundo inteiro.

No entanto, a morte também não é vista como uma tragédia, mesmo quando ocorre no início da vida ou em circunstâncias infelizes. A morte é vista como um processo natural. A morte, como a vida, tem significado e faz parte de um plano divino. Além disso, os judeus acreditam firmemente na vida após a morte, onde aqueles que viveram uma vida digna serão recompensados.

Para lidarmos com a morte, o calendário judaico tem em si uma sabedoria impar e, nele, o ritual do luto possui sequência própria que exprime uma maestria.

Quando perdemos um ente querido, o ritual exige posturas que nos guiam através da dor e que externam o sentimento de perda.

Inicialmente, dá-se a cerimônia do rasgar das vestes, a kriá, que nos remete à alma que se rasga para sempre. A seguir, é o som grave da terra que cai sobre o caixão. É quando a inexorabilidade da morte nos abate.

Logo, a tradição pede que sentemos sete dias de shivá, sem outra obrigação a não ser relembrar a pessoa falecida, em total desconsolo, como a nossa alma. O judaísmo nos possibilita simplesmente chorar nossos mortos neste momento de dor.

A seguir, já tomando o curso de nossa vida normal, temos o shloshim após 30 dias e após um ano, vem a matzeivá. Também são estas as ocasiões de transição do sofrimento.

Estas etapas do luto são como um guia que nos leva através da dor, para que não esqueçamos de retomar nossas vidas a cada passo. Cada momento exige de nós um recato diferente, que vai diminuindo fase a fase, para que não nos percamos na dor e no sofrimento paralisante.

Neste tempo de pandemia do corona vírus, que requer de nós um distanciamento social importante, os rituais estruturais ficam comprometidos.

Os sepultamentos requerem pressa e limite de parentes e amigos.
A sensação de enterrar um ente querido com poucas pessoas ao redor da morada eterna dos que amamos dá a sensação de uma solidão maior ainda.

Mais ainda, a shivá, que nos reserva sete dias intensos de pesar, é sempre acompanhada pela visita de amigos e parentes, a maioria que conviveu com a pessoa falecida, permite que nosso luto seja compartilhado e que memórias de convivência com o ser perdido nos dê uma maior dimensão de suas vidas.

Na pandemia, embora estes dias de luto intenso não possam contar com a presença de familiares e amigos, só o círculo mais íntimo do ente falecido, a tecnologia vem ao nosso socorro, possibilitando visitas virtuais, assim como o minian necessário para as rezas. Certamente, nestes tempos sombrios, a falta de um minian conveniente e que nos consola é mais um fator que se acresce em nosso período mais dolorido de pesar. Porém, devemos encontrar conforto com as alternativas possíveis neste momento difícil de toda a civilização e podemos ter a certeza que, um dia, estaremos de novo, em grupo, celebrando a vida e as boas ações da pessoa que perdemos. Podemos recorrer a uma das frases mais famosas do judaísmo: Gam Zu Iaavor, ou seja, isto também vai passar. [2]

Fontes: [1] https://perdaseluto.com/2016/08/24/o-significado-da-morte-e-o-processo-de-luto-na-visao-do-judaismo/comment-page-1/
[2] https://www.jornaldaorla.com.br/noticias/43470-a-shiva-em-tempos-de-pandemia/

Coordenador: Saul Stuart Gefter 07 de Av de 5781 – 16 de julho de 2021

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