TU b’SHVAT – O ANO NOVO DAS ARVORES (5778)

Tu b’Shvat, o 15º dia do mês hebraico de Shvat, 31 de janeiro de 2018, é o ano novo das árvores. Como ensina o Talmud, é um dos quatro Rosh Hashanás – inícios de ano existentes no decorrer de um ano judaico. O conceito de haver mais de um ano novo não deveria intrigar-nos; pois, no calendário secular, o ano fiscal e o ano escolar não se iniciam em 1º de janeiro, como o ano novo. Tu b’Shvat é o Ano Novo das árvores no sentido de que é a data legal para o cálculo da formação inicial dos frutos e a decisão de que tipos de dízimos devem ser oferecidos, segundo os mandamentos da Torá.

Tais questões eram de importância capital para os agricultores judeus que residiam na Terra de Israel, mas, sem entrar muito no mérito da questão, a celebração deste dia parece tão estranha quanto a do início de um novo ano fiscal – uma data importante, sem dúvida, mas não necessariamente digna de júbilo.

Contudo, Tu b’Shvat é, de fato, um dia festivo, não apenas em Eretz Israel. Foi celebrado durante todo o tempo em que a quase totalidade do Povo Judeu vivia fora de Eretz Israel, sua terra. A lei judaica reza que em Tu b’Shvat, por ser um dia festivo, é proibido recitar o Tachanun – a oração das súplicas, na qual pedimos a D’us perdão por nossas transgressões. Em Tu b’Shvat, costuma-se comer frutas, especialmente aquelas que a Torá associa com Eretz Israel, como uvas, figos, romãs, azeitonas e tâmaras.

O dia 15 de Shvat reafirma, portanto, a intrínseca conexão entre o Povo de Israel e a Terra de Israel. Esta conexão é uma parte integral do judaísmo. Pois, se por um lado é inegável que o Povo Judeu passou a maior parte de sua história vivendo na Diáspora, qualquer pessoa familiarizada com a história e a Lei judaica sabe que a Torá e seus mandamentos não podem ser plena e adequadamente cumpridos a não ser que a grande maioria do povo viva em Eretz Israel.

A herança do Povo de Israel = Por que razão a Terra de Israel é guardada com tanto carinho pelo Povo Judeu? Por que Israel – este pequeno país – é o centro de tanta atenção por parte do mundo? Justamente pelo fato de que este pedaço de território, desprovido de petróleo e de água, é o centro espiritual do mundo.

Quando o mundo foi criado, a terra foi imbuída de santidade. E foi justamente o nosso mundo físico, não os Céus nas Alturas, que D’us escolheu como Seu jardim, Sua morada. No entanto isto mudou quando Adão e Eva comeram do fruto proibido e, especialmente, quando Caim matou seu irmão, Abel.

A Cabalá ensina que desde que a terra absorveu o sangue de Abel, ocultando o crime de Caim e, portanto, tornando-se cúmplice do mesmo, a terra perdeu muito de seu poder espiritual. Apenas um pedaço de terra não perdeu sua santidade: a Terra de Israel, que continua sagrada até o dia de hoje. Trata-se de um lugar carregado de energia espiritual; é a terra mais abençoada de todas. Eretz Israel é tão essencial para o Povo Judeu que a história de nosso povo praticamente começou quando D’us ordenou a Abrahão, o primeiro judeu, que deixasse seu país para trás e emigrasse para uma nova terra – a Terra de Israel. Nossa história está definitivamente ligada a essa terra. De fato, enquanto os judeus eram escravos no Egito, D’us os libertou não apenas para livrá-los de seu sofrimento e para lhes dar a Torá – mas para que eles pudessem herdar a Terra que Ele prometera a nossos patriarcas. A principal narrativa de quase toda a Torá é a jornada do Povo Judeu a caminho da terra que D’us lhes prometera.

Mesmo o primeiro relato do primeiro livro da Torá, Bereshit, refere-se à Terra de Israel. O primeiro comentário escrito por Rashi, o comentarista clássico da Torá, é relacionado à Terra Prometida. Rashi pergunta: se a Torá é, antes de mais nada, um livro de leis, não deveria, pois, começar com uma delas? Por que, então, se inicia com um relato da Criação? Ao que Rashi responde: a Torá assim se inicia para nos ensinar que como foi D’us quem criou o mundo inteiro, este mundo Lhe pertence. Sendo assim, se algum dia alguém acusar o Povo Judeu de roubar a Terra de Israel, nosso povo pode responder que a recebemos como herança d’Aquele que a criou e que é O dono do mundo. Este ensinamento foi repetido pelo Arcebispo de Viena, Cristoph Schorborn, que, em visita a Israel, declarou: “Uma única vez na história da humanidade D’us escolheu um país como legado, e Ele o ofereceu a Seu Povo Eleito”.

Mas Eretz Israel representa, para o Povo Judeu, muito mais do que um mero lugar geográfico, ou mesmo do que uma pátria sagrada. A Terra de Israel é um pilar de judaísmo: o ciclo completo do ano judaico se conecta com a mesma e toda oração importante a menciona. Mas durante quase dois milênios, Eretz Israel, mencionada tão freqüentemente nas orações e festas e em praticamente todas as porções da Torá, foi, para os judeus que viviam na Diáspora, um sonho – uma terra lendária- um eldorado espiritual que as pessoas sonhavam alcançar, mas que nunca realmente esperavam conseguir atingir. Mesmo nos poemas de Rabi Yehuda HaLevi, a Terra de Israel era mais um local espiritual do que físico.

E Tu b’Shvat é um dia tão especial e festivo justamente porque nesse dia conectamos a Terra de Israel lendária com a real e as celebramos, em todo o seu concretismo. Por essa razão cumprimos um mandamento sensorial – que nos manda provar os frutos mencionados na Torá como sendo típicos de Eretz Israel. Alguns judeus que vivem na Diáspora dão-se ao trabalho de importar frutos de Israel para reparti-los entre amigos na data de 15 do mês de Shvat. [1]

II. A lição de Tu b’Shvat – … Tu b’Shvat, o ensinamento de que o Homem é a árvore do campo, e o versículo de Isaías – “Como os dias de uma árvore serão os dias de Meu Povo” – fornecem uma resposta a essa pergunta. A resposta é universal e se aplica a todos os seres humanos. É, também, atemporal, relevante a todas as gerações e especialmente à nossa. “Como os dias de uma árvore serão os de Meu Povo” nos ensina que todo ser humano precisa, como uma árvore do campo, viver uma vida de crescimento constante e ininterrupto. Há diferentes tipos de árvores: algumas são grandes, outras são pequenas, e o ritmo de crescimento ou a qualidade dos frutos de cada uma pode variar enormemente.

Mas as árvores nunca param de crescer. Esse é o crescimento constante a que todos os seres humanos deveriam aspirar – essa é a lição que D’us transmite, a cada um de nós, através de Seu profeta. Devemos viver no presente, como um bebê que não desperdiça tempo especulando sobre como sua vida será quando ele tiver 30 ou 80 anos. Devemos viver e tentar tirar o melhor proveito de cada dia. Isso não significa que devemos viver como se não existisse um amanhã. A ideia de que “devemos comer e beber e nos divertir, porque amanhã morreremos” é fortemente condenada pelo judaísmo. Viver no presente – carpe diem, tirando o máximo proveito do dia – não significa viver uma vida hedonista e inconsequente. Tampouco significa que devemos abreviar a educação e a preparação.

Na verdade, a Lei Judaica ordena que todas as crianças recebam uma educação adequada. O estudo está na raiz da vida judaica; o estudo da Torá é o principal mandamento do judaísmo e a Torá ordena que todas as crianças sejam treinadas em uma profissão. O que viver no presente significa é que em vez de desperdiçar tempo precioso fazendo conjeturas sobre o que o futuro nos reserva ou sobre o que o passado foi ou deveria ter sido, devemos, pelo contrário, pensar sobre o tipo de vida que vivemos agora.

O presente é onde há vida, e como uma pessoa viva e funcional, cada ser humano deve fazer uso, ao máximo, do tempo de vida que possui. Uma criança de oito anos deve viver a vida de uma criança de oito anos – e não passar os dias preocupada acerca de sua profissão futura dali a 20 anos. Um conceito semelhante se aplica a uma pessoa de 90 anos. Talvez ela não consiga fazer tanto quanto fazia aos 30, mas há inúmeras coisas que consegue fazer que são compatíveis com sua idade. Com a velhice vem um dom precioso que não pode ser comprado nem aprendido na faculdade: a experiência. É uma pena que a arrogância da juventude geralmente não nos faça perceber esse fato. Talvez a pessoa de 90 anos não consiga correr tão rápido ou usar o computador tão bem quanto alguém de 20 anos. Mas o que ela tem a ensinar é inestimável.

Como ensina o Talmud: “Se os anciãos dizem “destrua” e os jovens dizem “construa”, destrua e não construa, porque a destruição feita pelos anciãos é construção e a construção pelas mãos dos jovens é destruição” (Nedarim, 40a).

No Pirkei Avot, livro sagrado de sabedoria e ética judaica, está escrito: “Uma criança de cinco anos começa a estudar as Escrituras; uma de dez, a Mishná; uma de treze é obrigada a observar os mandamentos; uma de quinze começa a estudar a Guemará…”. Esse ensinamento do Pirkei Avot, um livro que é estudado há 2 mil anos, reflete as ideias que discutimos acima: que cada idade tem suas próprias tarefas, responsabilidades e exclusivas possibilidades.

Em vez de alguém dizer: “Agora que tenho treze anos de idade, o que deverei fazer quando chegar aos dezoito?, essa pessoa deveria pensar: “Estou com treze anos; o que deveria estar fazendo, agora?” Essa é a maneira como viveram nossos Sábios ao longo das gerações. O ponto focal de sua vida não foi o que o amanhã lhes traria ou quão bom ou ruim tinha sido o passado. Ao contrário, seu foco era o que deveria ser feito hoje. Perguntaram ao filho de um famoso Tzadik, homem verdadeiramente justo: “O que foi a coisa mais importante que seu pai fez?”. Ao que ele respondeu: “Aquilo que estava fazendo a cada momento”.

As pessoas geralmente passam a vida se perguntando: “O que o amanhã me reserva?”, ou “O que será do mundo quando o Mashiach vier?”. Tais perguntas não são tão relevantes. O importante é perguntar: “Esta é a situação da minha vida, do que me cerca e do mundo como um todo. O que devo fazer hoje para melhorá-lo?”. A crença na Era Messiânica é um dos fundamentos da Fé Judaica, mas o mundo não será consertado por pessoas que passam seus dias meditando e sonhando com isso. Nosso trabalho é liderar o mundo para chegar nessa era – não fazendo conjeturas ou argumentando sobre a mesma, mas envolvendo-nos em atos construtivos e positivos.

O conceito de viver no presente é fortemente sustentado não apenas pelo pensamento e filosofia judaicos, mas também na prática da Lei Judaica. A Torá nos proíbe adiar um mandamento para cumprir outro. Se um homem fosse preso e lhe fosse permitido deixar a prisão por apenas um dia, recebendo as seguintes opções: deixar a prisão hoje, véspera de Yom Kipur, e colocar Tefilin; ou sair amanhã da prisão, Yom Kipur, e cumprir os mandamentos do dia mais sagrado do ano, ele deveria escolher o primeiro, não o último.

A razão é que não apenas não devemos fazer distinção entre os Mandamentos Divinos, mas também porque temos que viver o dia de hoje; não há garantia alguma de que haverá um amanhã. O presente não pode ser sacrificado pelo futuro e nenhuma oportunidade pode ser desperdiçada. A maioria de nós, no entanto, não vive dessa maneira. A implementação de boas decisões geralmente é postergada. Raramente vivemos no presente e raramente estamos concentrados naquilo que estamos fazendo. Durante nossas orações, pensamos, em geral, sobre assuntos de negócios ou questões mundanas e, no trabalho, geralmente pensamos sobre o que iremos fazer ao deixar o escritório. Com frequência, nosso corpo está em um lugar e nossa mente e coração, em outro. Se conseguíssemos nos concentrar apenas no que estamos fazendo, se aprendêssemos a maximizar nosso tempo e viver no presente, nossa vida se tornaria muito mais dotada de objetivo e tão mais eficaz.

O Rabi Menachem Mendel Schneerson, o Lubavitcher Rebe, contou certa vez esta história sobre seu sogro, o Rabi Yosef Yitzhak Schneerson, o Lubavitcher Rebe anterior, que bem ilustra esse conceito: “Ele vivia em Leningrado, à época, e tinha planejado uma viagem a Moscou. Seu trem deveria partir dentro de meia hora. Isso foi durante o período quando os comunistas haviam declarado guerra contra a religião e, em particular, contra o empenho de meu sogro em promover o judaísmo. Ele era seguido onde quer que fosse e se espalhara a notícia de que o Governo estava pronto para detê-lo, a qualquer custo.

Quando entrei na sala, fiquei surpreendido ao ver que, apesar de seu trem estar programado para partir dentro em pouco, ele estava perfeitamente composto, trabalhando em sua mesa, totalmente despreocupado com o perigo iminente. Perguntei-lhe: ‘Como consegue ter tanto autocontrole em uma hora dessas? ’Ele me contou que seu pai lhe falara, certa vez, de algo chamado de ‘sucesso com o tempo’. ‘O que isso quer dizer?’, perguntei. Ele explicou: ‘Você não pode adicionar mais horas ao dia; então, quando está envolvido em uma atividade, deve ficar totalmente imerso na mesma, como se nada existisse antes ou depois dela”.

Viver dessa maneira, concentrados no presente e naquilo em que estivermos envolvidos, não significa que não nos estamos preparando ou não estamos fazendo planos para o futuro; nem tampouco significa que esquecemos ou não aprendemos do passado. Viver no presente não significa levar uma vida irresponsável ou descuidada. Bem ao contrário, significa levar uma vida mais intensa, livre de fantasias e remorsos. Significa esforçar-se para atingir “sucesso com o tempo”, que leva ao crescimento genuíno – a uma vida produtiva e rica em conteúdo, na qual cada dia e cada hora do dia são bem aproveitados.

Os dias de cada ser humano devem ser “como os dias de uma árvore”– de incessante e frutífera vitalidade. Devemos realmente aprender com as árvores: se olharmos para o que restou de uma árvore cortada, podemos ver pequenos brotos verdes dos galhos. O que parece morto, na verdade contém uma seiva vital que irrompe com força: uma folhinha nova, um novo galho. A árvore cresce, mesmo que tenha sido derrubada, porque ela não lamenta o passado nem se permite ficar paralisada, preocupada se crescerá ou não no futuro. Simplesmente segue seu ritmo de crescimento e, no momento certo, dá os frutos. Há uma outra vantagem em se viver a vida como uma árvore do campo: é o fato de podermos desfrutar as diferentes fases da vida e as vantagens que oferecem, cada uma delas.

Quando se vive no presente, não se é aprisionado na armadilha do tempo: é possível desfrutar-se os benefícios únicos de cada uma das fases da vida – infância, adolescência, idade adulta e velhice. Aqueles que tentam driblar esse processo viajando no tempo, seja no passado ou no futuro, geralmente não levam vidas muito produtivas e saudáveis. Por outro lado, aqueles que vivem como nos aconselha a Torá – entendendo que independentemente da idade da pessoa ou de sua situação, cada dia tem seu propósito e D’us espera que façamos bom uso do tempo que Ele nos dá na Terra – geralmente levam uma vida justa e rica, deixando ao mundo um legado de muito significado. Esta é, pois, uma das principais lições de Tu b’Shvat.

O Novo Ano das Árvores é, também, um Ano Novo para os homens, pois oferece a todos nós um novo começo: a oportunidade de começar a vida de novo. Tentemos, então, individual e coletivamente, ser árvores do campo, empenhando-nos em ter “sucesso com o tempo”, e crescer incessantemente e produzir muitos frutos bons em todas as facetas de nossa vida, seja física seja espiritualmente. [2]

Fonte: [1] Por Jorge Magalhaes, https://www.coisasjudaicas.com/2010/05/tu-bshvat.html
[2] Morasha: http://www.morasha.com.br/tu-bishvat/tu-b-shvat-o-homem-e-a-arvore-do-campo.html

Coordenador: Saul S. Gefter, Diretor Executivo

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